O silêncio que nos mata: quando a saúde mental se tornou a epidemia invisível

O silêncio que nos mata: quando a saúde mental se tornou a epidemia invisível
Há uma pandemia que não aparece nas estatísticas oficiais, não tem vacina e não faz manchetes. Caminha connosco no autocarro, senta-se à nossa mesa no café, dorme na nossa cama. É a epidemia da saúde mental, um fantasma que assombra os portugueses de forma cada vez mais visível, mas que continua a ser tratado como um assunto de segunda categoria.

Os números não mentem: segundo dados recentes, uma em cada cinco pessoas em Portugal sofre de uma perturbação psiquiátrica. A depressão e a ansiedade lideram este ranking sombrio, afetando especialmente os jovens entre os 18 e os 34 anos. São rostos que vemos todos os dias, colegas de trabalho, familiares, amigos que carregam um peso invisível enquanto tentam manter a normalidade nas suas vidas.

O que mudou nos últimos anos para que este fenómeno tenha atingido proporções tão alarmantes? A resposta é complexa como a própria mente humana. A pandemia de COVID-19 funcionou como um acelerador, mas as raízes do problema são mais profundas. Vivemos numa sociedade que glorifica a produtividade, a felicidade constante e o sucesso fácil, criando uma pressão insustentável sobre quem não consegue acompanhar este ritmo frenético.

O sistema de saúde mental em Portugal continua a ser o parente pobre do SNS. As listas de espera para consultas de psiquiatria podem chegar a um ano em algumas regiões do país. Os psicólogos no serviço público são escassos e sobrecarregados. Muitos portugueses são forçados a recorrer ao privado, onde os custos são proibitivos para a maioria das famílias. Esta realidade cria um fosso social perigoso: quem tem recursos trata-se, quem não tem sofre em silêncio.

O estigma continua a ser uma das maiores barreiras. Falar de saúde mental ainda é tabu em muitos ambientes, especialmente no local de trabalho. Os funcionários têm medo de revelar os seus problemas por receio de serem vistos como fracos ou incompetentes. As empresas, por sua vez, raramente têm políticas adequadas para lidar com estas situações, preferindo ignorar o problema até que este se torne insustentável.

Mas há luz no fim do túnel. Nos últimos anos, assistimos a uma mudança cultural gradual. Figuras públicas começaram a partilhar as suas lutas com a saúde mental, normalizando o tema. Programas de televisão, podcasts e redes sociais abriram espaço para conversas mais abertas sobre o assunto. Esta maior visibilidade está a ajudar a quebrar barreiras e a incentivar mais pessoas a procurar ajuda.

As soluções passam necessariamente por uma abordagem multifacetada. É urgente reforçar os serviços de saúde mental no SNS, reduzindo drasticamente os tempos de espera e aumentando o número de profissionais especializados. As escolas deveriam incluir a educação emocional no currículo, ensinando as crianças desde cedo a lidar com as suas emoções de forma saudável. As empresas precisam de criar ambientes de trabalho mais humanos, onde a saúde mental seja tratada com a mesma importância que a saúde física.

A tecnologia também pode ser uma aliada. As consultas online tornaram o acesso à psicoterapia mais fácil para quem vive em zonas rurais ou tem mobilidade reduzida. As aplicações de mindfulness e meditação oferecem ferramentas de autocuidado acessíveis a todos. No entanto, é importante lembrar que estas soluções digitais não substituem o acompanhamento profissional quando necessário.

O que está em jogo vai além do bem-estar individual. Uma população com problemas de saúde mental não tratados tem consequências económicas graves: absentismo no trabalho, redução da produtividade, aumento dos custos com saúde. Investir na saúde mental não é apenas uma questão de compaixão – é uma necessidade económica.

Enquanto sociedade, precisamos de aprender a ouvir melhor. Muitas vezes, as pessoas que sofrem em silêncio dão sinais subtis que passam despercebidos. Um colega que se isola mais do que o habitual, um amigo que perde o interesse pelas atividades que antes adorava, um familiar que parece constantemente exausto. Estes podem ser gritos de ajuda disfarçados de normalidade.

A verdade é que a saúde mental não discrimina. Pode afetar qualquer um, independentemente da idade, género, estatuto social ou educação. Reconhecer esta universalidade é o primeiro passo para criar uma sociedade mais empática e preparada para lidar com este desafio. O silêncio já matou demasiadas pessoas – chegou a hora de falarmos mais alto.

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