Em Lisboa, o ruído do trânsito atinge picos de 85 decibéis - o equivalente a um liquidificador a funcionar ao lado do ouvido. No Porto, os bairros históricos transformaram-se em caixas de ressonância onde o som rebate entre paredes centenárias. Mas este não é apenas um incómodo urbano: é uma epidemia silenciosa que está a minar a saúde dos portugueses de formas que a maioria nem sequer suspeita.
Os estudos mais recentes, publicados em revistas médicas internacionais, revelam dados alarmantes. A exposição crónica a ruído acima dos 55 decibéis - nível facilmente ultrapassado em qualquer avenida portuguesa - aumenta em 30% o risco de hipertensão arterial. O coração não descansa, mantém-se em estado de alerta constante, como se estivéssemos permanentemente a fugir de um predador invisível. Os vasos sanguíneos contraem-se, a pressão sobe, e o sistema cardiovascular desgasta-se prematuramente.
Mas os danos vão muito além do coração. Durante a noite, quando o corpo deveria estar a regenerar-se, o ruído fragmenta o sono de forma subtil. Acordamos brevemente sem nos lembrarmos, interrompendo os ciclos de sono profundo essenciais para a consolidação da memória e a reparação celular. O resultado? Um cansaço que persiste mesmo após oito horas na cama, dificuldades de concentração que atribuímos ao stress, e um sistema imunitário que perde eficácia.
A ciência descobriu agora uma ligação ainda mais perturbadora: a poluição sonora altera a microbiota intestinal. O stress crónico causado pelo ruído modifica as bactérias que habitam o nosso intestino, desequilibrando um ecossistema fundamental para a saúde mental e física. Esta descoberta explica porque é que quem vive em zonas barulhentas apresenta maior incidência de depressão e ansiedade - não se trata apenas do incómodo psicológico, mas de uma alteração biológica profunda.
Em Portugal, o problema assume contornos particulares. As nossas cidades foram construídas antes da era do automóvel, com ruas estreitas que funcionam como canhões acústicos. Os edifícios antigos, com janelas mal isoladas, oferecem pouca proteção. E há um factor cultural: aceitamos o barulho como inevitável, normalizámos o zumbido constante das cidades.
As soluções existem, mas exigem uma mudança de paradigma. Em Viena, a capital austríaca, criaram-se 'oásis de silêncio' - parques urbanos com barreiras acústicas naturais onde os níveis de ruído não ultrapassam os 45 decibéis. Em Barcelona, estão a substituir o asfalto por materiais fonoabsorventes que reduzem o ruído do trânsito em 30%. São intervenções que custam menos do que muitos tratamentos médicos que serão necessários se nada fizermos.
A nível individual, pequenas mudanças podem fazer uma diferença enorme. Usar tampões de ouvido específicos para dormir, instalar janelas duplas mesmo em edifícios antigos, criar momentos de silêncio deliberado durante o dia - são gestos simples que protegem o organismo. Mas a verdadeira mudança tem de ser coletiva: exigir planos municipais de redução de ruído, privilegiar o transporte público elétrico, repensar o urbanismo.
O silêncio não é um luxo - é um nutriente essencial para a saúde, tão importante como a água limpa ou o ar puro. Enquanto sociedade, estamos a pagar um preço elevadíssimo pelo barulho constante: anos de vida perdidos, qualidade de vida diminuída, custos astronómicos em saúde pública. O momento de agir é agora, antes que o ruído que nos rodeia se torne no diagnóstico que nos consome.
O silêncio que nos mata: como a poluição sonora está a destruir a nossa saúde em Portugal