O silêncio que mata: por que os portugueses ainda evitam falar sobre saúde mental

O silêncio que mata: por que os portugueses ainda evitam falar sobre saúde mental
Num país onde o café é terapia e o desabafo acontece nos cafés, a saúde mental continua a ser o elefante na sala. Enquanto percorremos as ruas de Lisboa e Porto, ouvimos risos nos esplanadas, mas raramente se fala da ansiedade que corrói por dentro ou da depressão que pesa como chumbo nas almas. Os números, contudo, não mentem: segundo dados recentes, um em cada cinco portugueses sofre de algum problema de saúde mental, mas menos de metade procura ajuda.

A cultura do 'aguenta' e do 'isso passa' persiste como herança de gerações que sobreviveram a guerras e ditaduras. 'Os meus avós passaram fome, não posso chegar ao médico porque estou triste', confessa Miguel, 34 anos, engenheiro informático, durante uma pausa para cigarro num escritório moderno em Lisboa. Esta narrativa de resistência, outrora necessária, transformou-se numa armadilha silenciosa que impede milhares de buscar o auxílio de que necessitam.

Nos centros de saúde, a realidade é crua. As listas de espera para consultas de psiquiatria ultrapassam os seis meses em muitas regiões, enquanto os psicólogos do SNS são insuficientes para a demanda real. 'Temos cerca de 500 psicólogos no Serviço Nacional de Saúde para uma população de 10 milhões', revela a Dra. Sofia Almeida, psiquiatra com 25 anos de experiência. 'É como tentar apagar um incêndio florestal com um copo de água'.

As redes sociais, paradoxalmente, tornaram-se tanto refúgio como veneno. Grupos de apoio online multiplicam-se, oferecendo consolo anónimo, mas os algoritmos também promovem comparações tóxicas e padrões irreais de felicidade. 'Vejo amigos sempre a viajar, sempre felizes, e sinto que falhei na vida', partilha Carla, 29 anos, professora do ensino básico no Porto.

O local de trabalho emerge como novo campo de batalha. A pressão por produtividade, o assédio laboral velado e a cultura do presentismo criam caldos de cultivo para burnout e ansiedade generalizada. Empresas progressistas começam a implementar programas de wellness, mas muitas ainda veem a saúde mental como fraqueza pessoal e não como responsabilidade organizacional.

Nas escolas, o cenário é igualmente preocupante. Adolescentes enfrentam níveis recorde de ansiedade social e depressão, enquanto os serviços de psicologia escolar operam com recursos escassos. 'Temos uma psicóloga para 800 alunos', conta uma professora de uma escola secundária em Coimbra que prefere não se identificar. 'Ela mal consegue lidar com os casos mais graves, quanto mais fazer prevenção'.

O estigma persiste como muro invisível. 'Prefiro dizer que tenho enxaquecas do que admitir que faço terapia', confessa um banqueiro de 42 anos entre dois golpes de espresso. Esta vergonha silenciosa mantém ciclos de sofrimento não tratado, afetando não apenas os indivíduos, mas as suas famílias e comunidades.

Mas há luzes no fim do túnel. Novas gerações de portugueses, mais educadas em saúde mental, começam a quebrar tabus. Influenciadores digitais partilham suas jornadas terapêuticas, celebridades falam abertamente sobre ansiedade, e o governo anuncia planos para expandir a rede de apoio. A telemedicina também chega como aliada, permitindo consultas acessíveis de qualquer lugar do país.

O caminho ainda é longo, mas a conversa finalmente começou. Resta saber se Portugal conseguirá transformar o sussurro em grito coletivo por mudança - porque saúde mental não é luxo, é direito humano fundamental.

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