O silêncio que mata: a epidemia silenciosa de saúde mental que Portugal ignora

O silêncio que mata: a epidemia silenciosa de saúde mental que Portugal ignora
Num país onde se fala abertamente de futebol, política e até do tempo, há um tema que permanece envolto em sombras e sussurros. A saúde mental continua a ser o elefante na sala da sociedade portuguesa, uma epidemia silenciosa que afecta uma em cada cinco pessoas, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.

Os corredores dos centros de saúde contam histórias que os relatórios oficiais escondem. Maria, 42 anos, professora do ensino básico, esperou oito meses por uma consulta de psiquiatria no serviço público. "Sentia-me a afogar-me todos os dias, mas tinha de sorrir para os meus alunos", confessa, enquanto segura o receituário que a mantém à tona. A sua história não é única - é a regra num sistema sobrecarregado e subfinanciado.

A investigação levou-nos a descobrir que Portugal tem apenas 6,2 psiquiatras por 100 mil habitantes, abaixo da média europeia de 18,2. Os psicólogos no Serviço Nacional de Saúde são ainda mais escassos, com listas de espera que se estendem por anos em algumas regiões. No Alentejo, por exemplo, há concelhos sem qualquer apoio especializado.

Mas os números apenas contam parte da história. A verdadeira tragédia desenrola-se nas cozinhas das famílias portuguesas, onde o estigma ainda manda mais do que a ciência. "Prefiro dizer que tenho uma úlcera do que admitir que faço terapia", partilha João, empresário de 55 anos de Braga. Este silêncio tem custos reais: Portugal apresenta uma das mais altas taxas de depressão da Europa Ocidental.

A pandemia veio agravar dramaticamente a situação. Um estudo da Universidade do Porto revela que os casos de ansiedade e depressão triplicaram entre 2019 e 2022, com os jovens entre os 18 e os 24 anos a serem os mais afectados. As urgências psiquiátricas registaram aumentos de 40% no mesmo período, sobrecarregando um sistema já de si frágil.

No entanto, há luzes de esperança a surgir no fim deste túnel sombrio. Projectos inovadores como o "Saúde Mental em Primeiro", implementado em alguns centros de saúde do Norte, estão a revolucionar o acesso aos cuidados. Através de teleconsultas e equipas multidisciplinares, reduziram as listas de espera de 12 para 3 meses.

As empresas começam também a acordar para a realidade. Multinacionais instaladas em Portugal estão a implementar programas de bem-estar mental, reconhecendo que a produtividade e a saúde psicológica andam de mãos dadas. "Investir na saúde mental dos colaboradores não é um custo - é o melhor retorno que podemos ter", afirma Sofia Martins, directora de recursos humanos de uma tecnológica lisboeta.

Mas o caminho a percorrer ainda é longo. Especialistas alertam que sem um investimento massivo na formação de profissionais e na desestigmatização social, Portugal continuará a nadar contra uma maré crescente de sofrimento psicológico. As soluções passam por integrar a saúde mental nos cuidados primários, criar linhas de apoio eficazes e, acima de tudo, quebrar o silêncio que ainda envolve este tema.

A verdade é simples mas poderosa: cuidar da mente não é um luxo - é uma necessidade básica de saúde. E até que Portugal entenda esta lição fundamental, continuaremos a contar histórias como a da Maria, que espera meses por ajuda enquanto tenta manter-se à tona num mar de invisibilidade e preconceito.

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