Nos corredores silenciosos dos hospitais portugueses, uma epidemia caminha de mãos dadas com o estigma. Enquanto o país discute abertamente doenças cardíacas e diabetes, a saúde mental permanece trancada a sete chaves, um segredo de família que ninguém quer admitir. Os números, contudo, não mentem: segundo dados recentes, uma em cada cinco pessoas em Portugal sofre de algum problema de saúde mental, mas menos de metade procura ajuda.
A crise é particularmente aguda entre os jovens. Nas universidades, os serviços de psicologia estão sobrecarregados com listas de espera que se estendem por meses. Maria, estudante de 22 anos que pediu anonimato, conta-nos: "Esperei três meses por uma consulta. Nesse tempo, cheguei a pensar que não valia a pena continuar". O seu testemunho ecoa o de milhares de portugueses que enfrentam batalhas silenciosas enquanto o sistema de saúde debate-se com falta de recursos.
Os especialistas alertam para uma tempestade perfeita: o impacto económico da pandemia, o isolamento social e a pressão constante das redes sociais criaram uma geração em crise. O Dr. Miguel Santos, psiquiatra no Hospital de Santa Maria, explica: "Estamos a assistir a um aumento alarmante de casos de ansiedade e depressão, particularmente na faixa etária dos 18 aos 35 anos. O problema é que ainda vemos a saúde mental como um luxo, não como uma necessidade básica".
Mas a crise não se limita aos centros urbanos. Nas zonas rurais, o acesso a cuidados de saúde mental é praticamente inexistente. Muitos municípios não têm sequer um psicólogo disponível no centro de saúde, obrigando os doentes a deslocações de dezenas de quilómetros. "É como se existissem dois países dentro de Portugal", comenta a psicóloga Ana Figueiredo, que trabalha no Alentejo.
O estigma cultural continua a ser o maior obstáculo. "Em Portugal, ainda se diz 'não tenhas problemas mentais' como se fosse uma escolha", desabafa João, um empresário de 45 anos que lida com depressão há uma década. "As pessoas preferem dizer que têm uma dor nas costas a admitir que estão a fazer terapia".
As soluções, no entanto, começam a emergir. Projetos inovadores como consultas online através do SNS 24 e parcerias com startups de healthtech estão a tentar colmatar as falhas do sistema. A telepsicologia revelou-se particularmente eficaz nas regiões mais isoladas, embora a literacia digital dos idosos ainda seja um desafio.
O caminho a percorrer é longo, mas especialistas defendem que a mudança deve começar nas escolas. Programas de educação emocional e de prevenção do bullying poderiam fazer a diferença numa geração. "Precisamos de normalizar a conversa sobre saúde mental tal como normalizámos a conversa sobre exercício físico", defende a Dra. Sofia Martins, especialista em psicologia educacional.
Enquanto isso, nas redes sociais, movimentos como #SaúdeMentalÉSaúde ganham força, com personalidades públicas a partilharem as suas próprias lutas. Esta quebra do silêncio pode ser o primeiro passo para destrinchar o nó górdio que mantém Portugal preso ao passado no que toca ao cuidado da mente.
O futuro da saúde mental em Portugal depende da nossa capacidade de transformar o discurso, os recursos e, acima de tudo, a mentalidade coletiva. Porque no final do dia, como bem lembra o Dr. Santos, "não há saúde sem saúde mental".
O silêncio que mata: a epidemia silenciosa de saúde mental em Portugal
