Num país onde se fala cada vez mais de bem-estar psicológico, persiste um vazio perturbador: a saúde mental masculina continua a ser o elefante na sala. Enquanto as mulheres abraçam progressivamente a terapia e o autocuidado emocional, os homens portugueses navegam num mar de expectativas arcaicas que os condenam ao silêncio.
Os números contam uma história sombria. Segundo dados da Ordem dos Psicólogos, os homens representam menos de 30% dos utentes em consultas de psicologia. No entanto, são eles que protagonizam 80% dos suicídios em Portugal - um dado que deveria fazer soar todas as campainhas de alarme do sistema de saúde.
A pressão para ser o 'homem forte', o provedor imperturbável, cria uma gaiola invisível onde a vulnerabilidade é vista como fraqueza. "Desde pequenos que nos ensinam que os homens não choram", confessa Miguel, um engenheiro de 42 anos que só procurou ajuda após um colapso nervoso no trabalho. "Crescemos a achar que pedir ajuda é admitir derrota."
O estigma não vive apenas na mente dos homens. Está entranhado na cultura portuguesa, nos comentários bem-intencionados dos familiares ("isso é coisa de mulher"), na falta de representação masculina nas campanhas de saúde mental, e até na forma como os próprios profissionais de saúde abordam o tema.
Os centros de saúde, primeira linha de defesa, falham redondamente na deteção precoce. Muitos homens chegam às consultas com queixas físicas - dores de cabeça, insónia, problemas digestivos - que mascaravam depressão ou ansiedade. Médicos de família, sobrecarregados, frequentemente tratam os sintomas sem chegar à raiz do problema.
A revolução digital trouxe esperança. Plataformas de teleconsulta e aplicações de saúde mental estão a quebrar barreiras, oferecendo anonimato e conveniência que atraem o público masculino. "É mais fácil falar para um ecrã do que olhar nos olhos de um estranho", admite Ricardo, que começou terapia online durante a pandemia.
Mas a tecnologia não basta. É preciso mudar a narrativa cultural. Clubes desportivos, empresas e até grupos informais de homens estão a surgir como espaços seguros para conversas honestas. O movimento "Homens que Falam" tem ganho tração nas redes sociais, desafiando estereótipos com histórias reais de vulnerabilidade e resiliência.
O caminho a percorrer ainda é longo. Especialistas defendem a integração da literacia emocional nos currículos escolares, a formação específica de profissionais de saúde para lidar com a população masculina, e campanhas públicas que mostrem homens a cuidar da sua saúde mental sem vergonha.
Enquanto isso, cada conversa entre pai e filho, cada amigo que pergunta "estás bem?" e espera pela resposta verdadeira, cada homem que quebra o silêncio, é um passo em frente. Porque a verdadeira força não está em aguentar calado, mas em ter a coragem de dizer: "preciso de ajuda".
A saúde mental masculina não é um problema de homens - é um problema de todos. E a sua solução exige que toda a sociedade pare de ouvir o silêncio e comece a escutar o grito surdo que ecoa debaixo da superfície.
O silêncio ensurdecedor da saúde mental masculina: por que os homens ainda não falam?
