Num país onde o sol brilha 300 dias por ano, as sombras da saúde mental continuam a ser um tabu persistente. Enquanto percorremos as ruas de Lisboa ou do Porto, sorrisos aparentemente genuínos escondem batalhas silenciosas que poucos se atrevem a partilhar. A ironia é cruel: numa era de hiperconectividade, nunca nos sentimos tão sozinhos.
Os números contam uma história que muitos preferem ignorar. Segundo dados recentes, uma em cada cinco pessoas em Portugal sofre de problemas de saúde mental, mas menos de metade procura ajuda. O estigma permanece como uma barreira intransponível, alimentado por mitos ancestrais e pelo medo do julgamento social. Nas pequenas localidades, onde todos conhecem todos, falar de depressão ou ansiedade ainda é visto como sinal de fraqueza.
Os consultórios dos psicólogos e psiquiatras transformaram-se em confessionários modernos, onde desabafos são trocados por receitas e terapias. Mas o acesso a estes serviços continua a ser um privilégio de poucos. No Serviço Nacional de Saúde, as listas de espera para consultas de psiquiatria podem chegar a seis meses - tempo suficiente para que uma crise se transforme em tragédia.
As empresas começam lentamente a acordar para esta realidade. Programas de bem-estar emocional já não são vistos como mimos corporativos, mas como necessidades básicas. Startups portuguesas estão a desenvolver aplicações inovadoras que oferecem suporte psicológico acessível, democratizando um serviço que durante décadas foi reservado a uma elite.
Nas escolas, a revolução é ainda mais lenta. Crianças e adolescentes navegam um mundo digital complexo sem as ferramentas emocionais necessárias. Bullying, pressão académica e a tirania das redes sociais criam tempestades perfeitas que muitas vezes passam despercebidas até ser tarde demais.
O que falta, afinal, para quebrarmos este silêncio? Talvez a coragem de admitir que a vulnerabilidade não é fraqueza, mas humanidade. Ou a compreensão de que cuidar da mente deveria ser tão natural como cuidar do corpo. Enquanto esperamos por essa mudança cultural, milhares continuam a sofrer em silêncio, presos numa rede de preconceitos que teimamos em não desfazer.
A verdade é incómoda: a saúde mental não é uma moda passageira nem um problema de outros. É uma realidade que toca a todos, directa ou indirectamente. E até aprendermos a falar sobre ela abertamente, sem medo ou vergonha, continuaremos a navegar à vista num oceano de incertezas emocionais.
As soluções existem, mas requerem mais do que políticas públicas - exigem uma transformação cultural radical. Precisamos de criar espaços seguros onde as pessoas possam partilhar as suas lutas sem receio de julgamento. De normalizar a procura de ajuda psicológica como normalizámos ir ao médico quando temos uma febre.
O caminho é longo, mas cada conversa honesta, cada história partilhada, é um passo na direcção certa. Portugal tem a oportunidade de se tornar um exemplo na forma como aborda a saúde mental. Resta saber se teremos a coragem colectiva para abraçar essa mudança.
O silêncio ensurdecedor da saúde mental em Portugal: porque é que ainda temos medo de falar?
