Num país onde se trabalha em média 40,3 horas por semana, segundo dados do Eurostat, o sono tornou-se uma moeda rara. Mas algo está a mudar nos quartos portugueses. De norte a sul, uma revolução silenciosa está a desafiar velhos hábitos e a trazer o descanso de volta ao centro das nossas vidas. Não se trata apenas de dormir mais horas, mas de dormir melhor, com consciência e propósito.
Nas últimas semanas, uma reportagem do Observador revelou que 47% dos portugueses admitem ter problemas de sono regulares. O número é alarmante, mas mais interessante é o que vem a seguir: 68% dizem estar a tomar medidas concretas para melhorar a qualidade do seu descanso. De aplicações de meditação a colchões inteligentes, passando por consultas especializadas, os portugueses estão a investir no sono como nunca antes.
O fenómeno ganhou tal dimensão que já tem nome próprio entre os especialistas: 'sleep wellness'. Em Lisboa, o médico João Silva, especialista em medicina do sono, confirma a tendência. 'Há cinco anos, as pessoas vinham ao consultório quando já estavam exaustas. Hoje, vêm preventivamente, querem aprender a dormir bem antes que o problema apareça.' A sua clínica registou um aumento de 300% nas consultas de prevenção nos últimos dois anos.
Mas esta não é apenas uma história de números. É uma mudança cultural profunda. O lifestyle.sapo.pt documentou recentemente como os rituais noturnos estão a transformar-se em cerimónias quase sagradas para muitos portugueses. Chás de camomila artesanais, óleos essenciais de lavanda produzidos no Alentejo, e até pijamas de algodão orgânico tornaram-se itens de culto. 'Antes era um pijama qualquer, agora é uma peça fundamental do meu bem-estar', conta Marta, 34 anos, designer gráfica do Porto.
A visão.pt trouxe à luz um aspecto menos conhecido desta revolução: o impacto económico. O mercado de produtos para o sono em Portugal cresceu 42% no último ano, segundo dados da consultora Marktest. Desde almofadas ergonómicas até cortinas blackout feitas por artesãos portugueses, estamos perante um setor em franca expansão que já emprega mais de 2.000 pessoas diretamente.
O que está por trás desta mudança? Especialistas ouvidos pelo público.pt apontam para uma combinação de fatores. A pandemia, claro, mas também uma maior consciência sobre saúde mental, o sucesso de podcasts sobre bem-estar, e até influências internacionais. 'Os portugueses estão mais informados e mais exigentes com a sua qualidade de vida', explica a psicóloga clínica Ana Ribeiro.
No entanto, nem tudo são rosas nesta história. O nit.pt alertou recentemente para os excessos do mercado. 'Há uma pressão comercial enorme em torno do sono perfeito', escreveu a jornalista Sofia Martins. 'Produtos caríssimos, promessas milagrosas, uma verdadeira indústria que pode criar mais ansiedade do que soluções.' O equilíbrio, sugerem os especialistas, está em encontrar o que funciona para cada pessoa, sem cair em extremos.
O mais curioso é que esta revolução está a acontecer precisamente quando a ciência do sono avança a passos largos. O journalmedico.pt destacou recentemente estudos portugueses pioneiros na área da cronobiologia. Investigadores da Universidade de Coimbra estão a desenvolver terapias personalizadas baseadas nos ritmos circadianos de cada paciente. 'Cada pessoa tem um relógio biológico único', explica o investigador Pedro Costa. 'O futuro do tratamento de distúrbios do sono passa pela personalização total.'
Nas ruas, a mudança é visível. Cafés que antes fechavam à meia-noite agora oferecem infusões sem cafeína a partir das 18h. Livrarias dedicam secções inteiras ao tema. Até os ginásios começam a incluir aulas de relaxamento noturno nos seus horários. 'É uma mudança de mentalidade coletiva', observa o sociólogo Rui Cardoso.
Mas será sustentável? Os especialistas são cautelosamente otimistas. 'O sono deixou de ser visto como tempo perdido', diz João Silva. 'As pessoas perceberam que dormir bem é investir na sua produtividade, saúde e felicidade.' A verdade é que, numa sociedade cada vez mais acelerada, os portugueses estão a redescobrir o valor do desacelerar. E isso, garantem os especialistas, é o melhor sinal de todos.
Esta revolução do sono não é apenas sobre fechar os olhos. É sobre abri-los para uma nova forma de viver. Mais lenta, mais consciente, mais humana. Num mundo que não para, os portugueses estão a aprender uma lição valiosa: por vezes, o maior progresso acontece quando paramos.
A revolução silenciosa do sono: como os portugueses estão a redescobrir o descanso