Há um segredo que circula pelos corredores das escolas portuguesas, um murmúrio que se perde entre o barulho dos intervalos e o tilintar dos projetores. Enquanto os rankings dominam as manchetes e os resultados dos exames ditam o sucesso institucional, uma epidemia silenciosa vai minando o coração do sistema educativo. Os números oficiais mostram uma realidade, mas as conversas nos gabinetes de psicologia e as confissões nos recreios contam outra história completamente diferente.
Nas últimas semanas, percorri dezenas de estabelecimentos de ensino, desde as escolas públicas do interior até aos colégios privados das grandes cidades. O que encontrei não foi apenas uma crise de saúde mental entre os mais jovens, mas um sistema que parece deliberadamente desenhado para ignorar os sinais de alerta. Os psicólogos escolares, quando existem, estão sobrecarregados com relatórios burocráticos enquanto os alunos esperam meses por uma consulta de quinze minutos.
A pressão começa cedo, demasiado cedo. Crianças de sete anos já falam em 'estratégias de estudo' e 'preparação para os exames'. Adolescentes de catorze descrevem a ansiedade como 'algo normal' porque 'toda a gente sente o mesmo'. Os professores, por sua vez, confessam em off que não têm formação para lidar com estas situações e que receiam falar abertamente sobre o assunto para não 'criar problemas' à escola.
O fenómeno não é novo, mas intensificou-se dramaticamente nos últimos anos. A pandemia funcionou como um acelerador, expondo fracturas que já existiam mas que eram convenientemente ignoradas. Agora, com o regresso à 'normalidade', esperava-se que os problemas diminuíssem. Aconteceu exactamente o contrário: os jovens voltaram às escolas físicas, mas trouxeram consigo os traumas do isolamento e a dependência digital que se instalou durante os confinamentos.
As soluções propostas pelos ministérios e direcções regionais parecem saídas de um manual dos anos 80. Campanhas de sensibilização, cartazes coloridos nos corredores, palestras ocasionais. Enquanto isso, os números de automutilação entre adolescentes não param de aumentar, os casos de burnout em alunos do secundário tornaram-se comuns, e as tentativas de suicídio em idades cada vez mais precoces deixaram de ser notícia por se terem banalizado.
O que mais choca nesta história não é a falta de recursos – embora essa seja gritante – mas a cultura do silêncio que impera. Direcções escolares que pedem aos professores para 'não alarmarem' os pais, pais que preferem não saber para não terem de lidar com o problema, e alunos que aprendem desde cedo que mostrar vulnerabilidade é sinal de fraqueza.
Há excepções, claro. Algumas escolas implementaram programas inovadores de mentoria entre pares, criaram espaços de descompressão onde os alunos podem simplesmente 'estar' sem precisar de justificar, e formaram os seus professores em primeiros socorros de saúde mental. Estas experiências mostram que é possível fazer diferente, mas continuam a ser ilhas num oceano de indiferença.
O custo desta negligência colectiva vai muito além dos números estatísticos. Estamos a criar uma geração que aprende desde cedo que o seu bem-estar é secundário face aos resultados académicos, que internaliza a mensagem de que pedir ajuda é falhar, e que normaliza o sofrimento como parte inevitável do crescimento. O preço que pagaremos como sociedade, daqui a dez ou vinte anos, será incalculável.
Enquanto escrevo estas linhas, recebo mais uma mensagem de uma professora do norte do país. Conta-me, com a voz a tremer, sobre uma aluna de dezasseis anos que ontem lhe confessou estar a planear o seu próprio desaparecimento. 'Não sabemos para onde a enviar', diz-me. 'Os centros de saúde têm listas de espera de seis meses, os hospitais só aceitam casos de risco iminente, e nós aqui na escola não temos ferramentas para a ajudar.'
Esta não é uma história sobre números ou estatísticas. É sobre a rapariga que senta na última carteira da sala e finge que está tudo bem. É sobre o rapaz que ri com os amigos no recreio enquanto conta os minutos para chegar a casa e chorar no quarto. É sobre os professores que todas as noites levam para casa o peso de saber que poderiam fazer mais se tivessem meios. E é, acima de tudo, sobre o nosso colectivo fracasso em proteger quem mais precisa de proteção.
As soluções existem, os especialistas conhecem-nas, as melhores práticas estão documentadas. Falta apenas a coragem política e social para as implementar. Até lá, continuaremos a assistir impotentes ao lento definhar de uma geração que merecia muito mais do que estamos dispostos a dar.
O silêncio que grita: o que as escolas não estão a contar sobre a saúde mental dos alunos
