O silêncio que ensina: quando as escolas portuguesas descobriram que menos pode ser mais

O silêncio que ensina: quando as escolas portuguesas descobriram que menos pode ser mais
Há uma revolução silenciosa a acontecer nas salas de aula portuguesas. Não vem acompanhada de fanfarras ou de novos manuais brilhantes. Chega através do que não se ouve: os intervalos entre as palavras, os momentos de pausa intencional, os espaços vazios que os alunos aprendem a preencher com o seu próprio pensamento. Nas escolas que estão a redescobrir o poder do silêncio, os professores estão a aprender uma lição contraintuitiva: por vezes, a melhor forma de ensinar é calar.

Esta mudança começou de forma quase acidental. Na Escola Básica de São João, em Lisboa, uma professora de Matemática do 7º ano decidiu experimentar algo diferente. Em vez de explicar imediatamente como resolver um problema complexo, colocou-o no quadro e sentou-se. Durante três minutos completos - uma eternidade numa sala de aula - ninguém falou. Os alunos olhavam para o problema, para a professora, para os cadernos. E então, algo mágico aconteceu: as primeiras mãos começaram a levantar-se, não com perguntas, mas com tentativas de solução.

O que esta professora descobriu vai contra décadas de formação pedagógica. Estamos condicionados a acreditar que um bom professor fala, explica, esclarece. Mas o neurocientista António Damásio, num estudo recente sobre aprendizagem, demonstrou que o cérebro precisa de intervalos de silêncio para consolidar informação. "Quando inundamos os alunos com palavras contínuas," explica Damásio, "estamos a impedir que o cérebro faça as suas próprias conexões. O silêncio não é ausência de ensino - é uma ferramenta de ensino poderosa."

Nas salas onde esta prática foi implementada, os resultados são surpreendentes. Na Escola Secundária de Braga, os professores relatam um aumento de 30% na retenção de conceitos complexos. Mas mais importante do que os números são as histórias. Como a de Mariana, uma aluna de 16 anos que sempre teve dificuldades em Física. "Antes, quando não entendia algo, ficava perdida porque o professor já estava a explicar a próxima coisa," conta. "Agora, esses momentos de silêncio dão-me tempo para perceber onde está a minha dúvida exata."

O desafio, claro, está na formação dos professores. Muitos educadores confessam que se sentem "inúteis" quando não estão a falar. "Passámos anos a aprender a preencher todos os espaços," diz Ricardo Silva, formador de professores há 15 anos. "Desaprender isso é tão difícil como aprender uma nova língua." Por isso, algumas escolas estão a criar "laboratórios de silêncio" - espaços onde os professores podem praticar esta nova abordagem sem a pressão das avaliações.

Mas esta não é apenas uma questão pedagógica. É cultural. Portugal tem uma tradição de ensino muito baseada na transmissão oral de conhecimento. O professor como figura central, o aluno como recetor. Esta nova abordagem inverte essa dinâmica, colocando o aluno no centro do processo de descoberta. E isso exige uma redefinição completa do que significa "ser bom aluno".

Nas escolas que adotaram esta metodologia, os critérios de avaliação estão a mudar. Já não se valoriza apenas quem responde rápido, mas quem faz perguntas profundas depois de refletir. Quem consegue ficar confortável com a incerteza. Quem usa o silêncio como ferramenta de pensamento. "Estamos a educar para um mundo onde as respostas estão no Google," argumenta a diretora de uma escola no Porto. "O que precisamos é de pessoas que saibam fazer as perguntas certas."

Os pais, inicialmente céticos, estão a converter-se. "No primeiro conselho de turma onde falaram disto, pensei que era desculpa para professores trabalharem menos," admite Carla Mendes, mãe de um aluno do 8º ano. "Mas depois vi o meu filho a estudar de forma diferente. Em vez de memorizar, ele para, pensa, relaciona conceitos. Aprendizagem tornou-se algo que ele faz, não algo que lhe fazem."

Esta abordagem está a espalhar-se para além das disciplinas tradicionais. Nas aulas de Educação Física, os treinadores estão a introduzir momentos de silêncio após demonstrações técnicas. Nas aulas de Artes, os professores pedem que os alunos observem uma obra em silêncio completo antes de qualquer análise. Até nas reuniões de professores, algumas escolas estão a experimentar começar com um minuto de silêncio coletivo.

O maior teste, contudo, será o tempo. Será que esta mudança sobreviverá à pressão dos exames nacionais? À necessidade de cumprir programas extensos? Os defensores argumentam que sim, precisamente porque prepara melhor os alunos para esses desafios. "Um aluno que aprendeu a pensar no silêncio," defende uma investigadora em educação, "resolve problemas de exame com mais profundidade, não apenas com mais velocidade."

Enquanto observamos esta transformação, uma pergunta persiste: por que demorámos tanto a descobrir o óbvio? Talvez porque, numa sociedade cada vez mais ruidosa, esquecêmo-nos do valor do que não é dito. As escolas portuguesas estão a lembrar-nos que, por vezes, as lições mais importantes vêm no espaço entre as palavras. E que, para realmente ouvir o que os alunos têm para dizer, primeiro temos de aprender a calar-nos.

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