Há uma revolução silenciosa a acontecer nas salas de aula portuguesas. Não vem acompanhada de tablets de última geração nem de aplicações educativas futuristas. Chega sem alarido, quase de mansinho, através de algo que sempre esteve ao nosso alcance: a arte de ouvir. Em escolas de norte a sul do país, educadores estão a redescobrir que o silêncio pode ser mais pedagógico do que o barulho, que a escuta ativa transforma mais do que mil palavras bem-intencionadas.
Na Escola Básica de São João da Talha, uma professora de 52 anos conta como mudou completamente a sua abordagem depois de três décadas a dar aulas. "Sempre pensei que o meu trabalho era falar, explicar, transmitir conhecimento. Um dia, percebi que estava a gastar 80% do tempo a falar e apenas 20% a ouvir. Inverti essa equação e os resultados foram surpreendentes", revela Maria do Céu, que pediu para não ser identificada com o nome completo. Os seus alunos, antes considerados "difíceis", começaram a mostrar-se mais envolvidos, mais curiosos, mais humanos.
Esta não é uma experiência isolada. No Agrupamento de Escolas de Caneças, implementou-se o projeto "Minuto de Silêncio Ativo", onde, antes de cada aula, professores e alunos dedicam sessenta segundos simplesmente a observar o que os rodeia, a escutar os sons do ambiente, a conectar-se com o presente. "Os miúdos chegam à escola acelerados, com telemóveis a apitar, notificações a interromper, conversas cruzadas. Estes sessenta segundos de silêncio consciente preparam-nos para aprender", explica o coordenador do projeto.
O fenómeno vai além do ambiente escolar tradicional. Em centros de estudo e explicações por todo o país, multiplicam-se as iniciativas que privilegiam a qualidade da escuta sobre a quantidade de informação transmitida. "Estamos a formar ouvintes, não apenas repetidores", defende uma psicóloga educacional que trabalha com várias instituições de ensino na área metropolitana de Lisboa.
Mas será que esta abordagem prepara realmente os alunos para um mundo cada vez mais barulhento e competitivo? Os especialistas contactados são unânimes: sim. "A capacidade de escuta ativa é talvez a competência mais subvalorizada do século XXI. Num mundo sobrecarregado de informação, saber filtrar, processar e compreender o que realmente importa torna-se crucial", argumenta um investigador em neuroeducação da Universidade do Minho.
Os dados começam a chegar e confirmam o que os educadores já sentiam na prática. Turmas que implementaram programas de escuta ativa mostram melhorias significativas não apenas nos resultados académicos, mas também nas relações interpessoais, na gestão de conflitos e até na autoestima. "Quando um aluno se sente verdadeiramente ouvido, algo mágico acontece: ele começa a acreditar que a sua voz importa. E quando alguém acredita que a sua voz importa, naturalmente começa a dar importância às vozes dos outros", reflete uma orientadora educacional do Porto.
O desafio, contudo, permanece. Num sistema educativo ainda muito centrado nos programas curriculares extensos e na preparação para exames, encontrar espaço para o silêncio e para a escuta requer coragem e convicção. "Muitos colegas ainda me perguntam se não estou a perder tempo precioso de aula. Eu respondo que estou a investir no essencial", partilha uma professora do ensino secundário em Coimbra.
As famílias também começam a notar a diferença. "O meu filho chegava da escola fechado, respondia com monossílabos. Desde que a escola implementou estas práticas, noto que ele chega mais calmo, mais presente, mais disponível para conversar", testemunha uma mãe de um aluno do 7º ano em Setúbal.
Esta mudança de paradigma não acontece apenas nas escolas públicas. Colégios privados por todo o país estão a incorporar técnicas de escuta ativa e mindfulness nos seus projetos educativos. "Preparamos os nossos alunos não apenas para os exames nacionais, mas para a vida. E a vida exige que saibamos ouvir - os outros, o mundo, nós próprios", defende o diretor pedagógico de um colégio em Cascais.
O movimento parece ganhar força, alimentado por evidências científicas e por testemunhos cada vez mais numerosos. Investigadores portugueses estão a estudar o impacto destas práticas no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças e jovens, com resultados preliminares promissores. "Estamos perante uma mudança subtil mas profunda na forma como entendemos a educação. Não se trata de abandonar os conteúdos, mas de humanizar o processo de aprendizagem", conclui uma especialista em educação da Universidade Nova de Lisboa.
Enquanto o debate sobre o futuro da educação em Portugal continua, com discussões sobre currículos, tecnologias e métodos de avaliação, talvez a resposta mais transformadora esteja mesmo no simples ato de calar para ouvir. Como diz um provérbio antigo que uma avó do Alentejo costuma repetir: "Temos dois ouvidos e uma só boca - talvez a natureza nos queira dizer algo". E nas escolas portuguesas, cada vez mais educadores estão finalmente a prestar atenção a esse sussurro ancestral.
O silêncio que ensina: quando as escolas portuguesas descobrem o poder da escuta
