O silêncio que ensina: quando a educação emocional se torna urgente nas escolas portuguesas

O silêncio que ensina: quando a educação emocional se torna urgente nas escolas portuguesas
Num país onde os rankings académicos dominam as conversas de café e as reuniões de pais, um tema crucial permanece nas sombras: a educação emocional. Enquanto discutimos médias de exames e percentagens de aprovação, esquecemo-nos de perguntar como se sentem os jovens que carregam essas estatísticas às costas.

As salas de aula portuguesas transformaram-se em arenas de desempenho, onde crianças e adolescentes aprendem desde cedo que o valor se mede em notas e classificações. O que não aprendem é a gerir a frustração de um teste mal feito, a ansiedade perante um exame nacional ou a solidão de quem não se enquadra nos padrões de sucesso estabelecidos.

Os dados são alarmantes: um estudo recente revela que 30% dos estudantes portugueses apresentam sintomas de ansiedade moderada a severa. Nas universidades, os serviços de psicologia estão sobrelotados, com listas de espera que se estendem por meses. E nas escolas básicas e secundárias? Muitas nem sequer têm psicólogos em tempo integral.

Enquanto isso, países como a Finlândia e o Canadá integraram há décadas programas estruturados de inteligência emocional no currículo. Lá, as crianças aprendem a identificar emoções, a desenvolver empatia e a resolver conflitos de forma não violenta. Em Portugal, estas competências dependem ainda da boa vontade individual de alguns professores ou de projetos pontuais que mal chegam à superfície do problema.

O que está em jogo vai muito além do bem-estar imediato dos estudantes. Investigação neurocientífica demonstra que as emoções desempenham um papel fundamental na capacidade de aprendizagem. Um aluno ansioso ou deprimido tem o córtex pré-frontal – área responsável pelas funções executivas – literalmente "sequestrado" pela amígdala, centro das emoções. Traduzindo: não consegue concentrar-se, reter informação ou pensar criticamente.

As consequências desta negligência emocional estendem-se para além dos muros das escolas. Estamos a formar gerações que sabem resolver equações complexas mas não sabem gerir relacionamentos, que dominam gramáticas estrangeiras mas não compreendem a linguagem das próprias emoções.

Algumas escolas já acordaram para esta realidade. Projetos pioneiros, como os implementados em agrupamentos de Cascais e Gaia, mostram resultados promissores: redução do bullying, melhoria do clima escolar e, surpreendentemente, melhoria do desempenho académico. Mas estas iniciativas dependem ainda de funding europeu ou da visão arrojada de alguns diretores.

O maior obstáculo? A resistência cultural. Muitos pais e educadores ainda veem a educação emocional como "conversa de psicólogos" ou "perda de tempo" que poderia ser dedicado a matérias "importantes". Ignoram que estas competências são tão importantes para o sucesso futuro como a matemática ou o português – se não mais.

O mundo laboral moderno valoriza cada vez mais as soft skills: capacidade de trabalhar em equipa, resiliência perante a adversidade, inteligência emocional. Enquanto isso, as nossas escolas continuam a produzir excelentes executores de tarefas, mas medíocres resolvedores de problemas humanos.

A mudança exige coragem política para reformular currículos, formação específica para professores e, acima de tudo, uma nova conversa sobre o que realmente significa educar. Não se trata de abandonar o rigor académico, mas de reconhecer que educar é tão sobre formar caracteres como sobre encher cabeças.

O tempo de agir é agora. Cada geração que passa sem estas competências é uma oportunidade perdida de construir uma sociedade mais equilibrada e mentalmente saudável. As emoções não são um detalhe na educação – são a sua essência esquecida.

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