Os rankings escolares dominam as manchetes todos os anos, criando uma narrativa simplista que divide escolas entre vencedoras e perdedoras. Mas o que acontece quando descemos ao terreno e conversamos com quem realmente constrói a educação? A realidade que encontramos é mais complexa, mais humana e, em muitos aspetos, mais esperançosa do que os números sugerem.
Na Escola Básica de Miragaia, no Porto, a diretora Maria João recebe-nos com um sorriso cansado mas determinado. 'Temos 32 nacionalidades entre os nossos alunos', conta, enquanto percorremos corredores decorados com bandeiras de todos os países representados. 'Os rankings medem resultados em provas padronizadas, mas não medem o que realmente importa: quantas crianças aprendem a comunicar entre si apesar das barreiras linguísticas, quantas famílias encontram aqui um porto seguro.'
Esta escola, que nunca aparece nos primeiros lugares dos rankings nacionais, desenvolveu um programa de mentoria entre alunos que reduziu o abandono escolar em 40% nos últimos três anos. 'São histórias que não entram nas estatísticas', explica a psicóloga escolar, enquanto nos mostra desenhos de crianças que há um ano não falavam uma palavra de português.
A obsessão com os resultados quantificáveis está a criar distorções perigosas no sistema. Em várias escolas do país, professores confessam-nos, sob anonimato, a pressão para 'preparar para o teste' em vez de educar para a vida. 'Perdemos a capacidade de surpreender', diz um professor de 25 anos de experiência. 'Tudo se tornou tão previsível, tão medido, que esquecemos que a aprendizagem mais importante acontece muitas vezes fora do currículo.'
Enquanto isso, nas salas de professores, discute-se outro fenómeno silencioso: a fuga de cérebros docentes para escolas privadas que oferecem melhores condições. 'Perdemos três dos nossos melhores professores no último ano', conta-nos o diretor de um agrupamento no Alentejo. 'Não por salários, mas por cansaço. O sistema público exige cada vez mais burocracia e deixa cada vez menos tempo para o essencial: ensinar.'
Mas nem tudo são sombras. Visitamos projetos inovadores que florescem à margem dos holofotes. Em Odemira, uma escola criou uma horta comunitária que se tornou sala de aula de matemática, ciências e cidadania. Em Bragança, alunos do secundário desenvolvem aplicações para resolver problemas locais, desde a monitorização de linhas de água até à criação de redes de apoio a idosos.
'O maior equívoco é pensar que qualidade educativa se mede apenas em testes', defende a investigadora Carla Mendes, que estuda sistemas educativos há 15 anos. 'Os países com melhor desempenho a longo plazo são aqueles que investem na formação contínua de professores, na autonomia das escolas e na criação de ambientes de aprendizagem significativos, não apenas na preparação para exames.'
Os dados do Observatório da Educação mostram que, apesar dos investimentos em tecnologia, muitas escolas continuam com infraestruturas degradadas. 'Temos quadros interativos, mas o ginásio está fechado há dois anos por falhas na cobertura', exemplifica um professor de Educação Física na região de Lisboa. 'Priorizamos o que é visível nas estatísticas em detrimento do que faz diferença no dia a dia.'
O desafio, sugerem os especialistas com quem conversámos, é criar novos indicadores de qualidade. 'Precisamos de medir o bem-estar emocional dos alunos, a sua capacidade de trabalhar em equipa, a resiliência perante o fracasso', propõe um sociólogo da educação. 'São estas competências que realmente preparam para a vida adulta num mundo em constante mudança.'
Nas salas de aula que visitámos, encontramos histórias que resistem a qualquer tentativa de quantificação. Como a da professora de Português que, percebendo que um aluno disléxico tinha talento para a música, adaptou as aulas para incluir letras de rap como material de estudo. Ou a da escola que transformou um problema de bullying numa oportunidade para criar um clube de debate onde se discutem diferenças e se constroem pontes.
Enquanto saímos da última escola, uma aluna do 10º ano aborda-nos. 'Os senhores vão escrever que temos más notas a Matemática?', pergunta. Antes que possamos responder, ela continua: 'Porque o que aprendi este ano foi que, mesmo quando não consigo resolver um problema sozinha, posso pedir ajuda. E isso não aparece em nenhum teste.'
Talvez seja essa a lição mais importante: que a educação que prepara para a vida vai além do que cabe num exame nacional. E que, enquanto sociedade, precisamos de aprender a valorizar o que realmente transforma - mesmo quando não cabe em gráficos ou rankings.
O que os dados não contam: a educação portuguesa além dos rankings