No fundo do oceano Atlântico, a poucas milhas da costa portuguesa, uma rede silenciosa e quase invisível está a transformar radicalmente o modo como nos ligamos ao mundo. São os cabos submarinos de fibra ótica, autênticas autoestradas digitais que transportam mais de 99% do tráfego de dados internacional. Enquanto os consumidores discutem preços de pacotes de internet, uma batalha geopolítica e tecnológica desenrola-se nas profundezas marinhas, com Portugal a emergir como um ponto estratégico crucial.
A costa portuguesa tornou-se nos últimos anos um verdadeiro hub de cabos submarinos. Projetos como o EllaLink, que liga directamente Portugal ao Brasil, ou o Medusa, que conectará o país ao Norte de África e ao Mediterrâneo, colocam-nos no centro do mapa digital global. Esta posição privilegiada não é fruto do acaso: a estabilidade geológica da nossa plataforma continental, a ausência de atividade sísmica intensa e a localização geográfica fazem de Portugal um local ideal para estas infraestruturas críticas.
Mas o que significa realmente ter estes cabos a passar pelas nossas águas? Para além da óbvia melhoria na velocidade e latência das comunicações, estamos perante uma oportunidade única de nos tornarmos numa verdadeira porta de entrada digital para a Europa. Empresas de cloud computing, serviços financeiros de alta frequência e até projetos de inteligência artificial podem beneficiar destas ligações diretas e de baixa latência. O problema é que poucos portugueses conhecem este potencial, enquanto outros países já estão a capitalizar agressivamente as suas posições geográficas semelhantes.
A segurança destas infraestruturas representa outro capítulo pouco conhecido desta história. Os cabos submarinos, apesar de estarem enterrados no leito marinho, são vulneráveis a ataques, acidentes com âncoras de navios ou até atividades de espionagem. Recentemente, incidentes no Mar do Norte e no Báltico alertaram para a fragilidade destes sistemas. Em Portugal, a Marinha e a Autoridade Nacional de Comunicações têm vindo a desenvolver protocolos de proteção, mas especialistas alertam que ainda estamos aquém do necessário para garantir a segurança destas artérias digitais.
O financiamento e propriedade destes cabos contam uma história igualmente fascinante. Se inicialmente eram dominados por consórcios de operadoras de telecomunicações, hoje assistimos à entrada de players como a Google, Meta ou Microsoft, que investem milhares de milhões em infraestruturas próprias. Esta mudança de paradigma coloca questões importantes sobre soberania digital e controlo dos dados. Quem realmente controla o fluxo de informação que entra e sai do país?
Para o consumidor final, estes desenvolvimentos traduzem-se em velocidades que há uma década pareceriam ficção científica. A promessa de 10Gbps simétricos para residências já não é um sonho distante em algumas zonas do país. No entanto, a distribuição destas velocidades continua desigual, com o interior e algumas zonas periféricas a ficarem para trás. A verdadeira revolução não está apenas em ter fibra ótica, mas em garantir que chega a todos com a mesma qualidade e preço acessível.
O futuro próximo reserva ainda mais inovações. Cabos com capacidade de transmissão multiplicada por dez, sistemas de reparação automática usando robótica submarina, e até a integração de sensores para monitorização ambiental são algumas das evoluções em curso. Portugal tem a oportunidade de não ser apenas um ponto de passagem, mas um centro de investigação e desenvolvimento nestas tecnologias. Universidades como a do Porto e de Aveiro já desenvolvem projetos pioneiros em colaboração com as empresas do sector.
Enquanto isso, nas esplanadas de Lisboa ou nos cafés do Porto, discutem-se os preços dos pacotes de telemóvel e a cobertura das redes 5G. Poucos suspeitam que a verdadeira revolução acontece a quilómetros de distância, no escuro do oceano, onde pulsos de luz transportam os nossos emails, vídeos, transações bancárias e chamadas. A próxima vez que fizer uma videochamagem com alguém do outro lado do Atlântico, lembre-se: essa conversa está a viajar por tubos de vidro mais finos que um fio de cabelo, deitados no fundo do mar por navios especializados que são verdadeiras maravilhas da engenharia.
Esta é a história não contada das telecomunicações em Portugal - uma narrativa que mistura geopolítica, tecnologia de ponta e oportunidades económicas ainda por explorar. Enquanto os holofotes estão virados para as antenas 5G e os satélites de baixa órbita, a infraestrutura mais crítica continua a ser a mais invisível. Cabe-nos agora decidir se seremos meros espectadores ou atores principais neste novo capítulo da conectividade global.
O lado oculto da fibra ótica: como os cabos submarinos estão a redefinir o futuro das telecomunicações em Portugal