Há uma revolução a acontecer nas ruas de Portugal, mas poucos lhe prestam atenção. Enquanto os olhos estão voltados para a política ou para o futebol, uma batalha silenciosa está a ser travada debaixo dos nossos pés. Não se trata de uma conspiração, mas de cabos – milhares de quilómetros de fibra ótica que estão a redefinir o acesso à internet em todo o país.
Os números são impressionantes. Segundo dados recentes, Portugal tem hoje uma das maiores coberturas de fibra da Europa, com mais de 85% dos lares já com acesso a esta tecnologia. Mas esta conquista tem um preço. As operadoras estão a investir milhões em infraestruturas, criando uma rede tão densa que, em algumas cidades, há mais fibra do que esgotos.
O que poucos sabem é que esta expansão acelerada está a criar problemas inesperados. Em Lisboa e Porto, as equipas de manutenção enfrentam diariamente o que chamam de 'spaghetti de fibra' – um emaranhado de cabos tão complexo que, quando há uma avaria, pode levar horas até descobrir qual o cabo certo. 'É como tentar encontrar uma agulha num palheiro, mas o palheiro está enterrado a dois metros de profundidade', confessa um técnico que prefere não ser identificado.
Mas a verdadeira guerra não está nas ruas – está nos gabinetes das grandes operadoras. A corrida para oferecer a internet mais rápida criou uma competição feroz onde cada megabit conta. A MEO, NOS e Vodafone não estão apenas a vender pacotes de televisão e telemóvel; estão a travar uma batalha pelo controlo daquilo que se tornou o bem mais precioso do século XXI: a conectividade.
Esta competição tem um lado obscuro. Fontes dentro do setor revelam que algumas empresas estão a usar táticas agressivas para garantir exclusividade em prédios e condomínios. 'Há prédios em Lisboa onde só entra uma operadora, e os moradores nem sequer sabem que têm outras opções', conta uma fonte do setor imobiliário. Estas práticas, embora não ilegais, levantam questões sobre a liberdade de escolha dos consumidores.
Enquanto isso, nas zonas rurais, a realidade é bem diferente. Ainda há aldeias onde a internet de alta velocidade é uma miragem. O Plano Nacional de Banda Larga prometeu cobrir todo o território até 2030, mas o progresso é lento. 'Vivemos a 30 quilómetros de Lisboa e temos pior internet do que em algumas aldeias da Serra da Estrela', queixa-se Maria, residente numa pequena localidade do Ribatejo.
A tecnologia 5G veio complicar ainda mais este cenário. As operadoras estão a investir pesado nesta nova rede, mas especialistas alertam para os riscos. 'Estamos a construir uma sociedade hiperconectada sem pensar nas consequências', avisa Pedro Veiga, especialista em cibersegurança. 'Cada novo dispositivo ligado à internet é uma porta de entrada para ciberataques.'
O consumidor comum está no meio deste furacão tecnológico, muitas vezes sem perceber as implicações. Os pacotes 'triple play' – que juntam internet, televisão e telefone – parecem uma boa oferta, mas escondem armadilhas. As letras pequenas dos contratos podem prender os clientes por 24 meses, mesmo quando o serviço deixa de corresponder às expectativas.
Há, no entanto, uma luz ao fundo do túnel. Pequenas operadoras regionais estão a surgir, oferecendo alternativas às grandes empresas. Em cidades como Braga e Coimbra, estas 'operadoras boutique' estão a ganhar terreno, prometendo um serviço mais personalizado e sem as amarras dos contratos de longa duração.
O futuro das telecomunicações em Portugal está a ser desenhado agora, enquanto lemos estas linhas. As decisões que estão a ser tomadas nos gabinetes das operadoras vão moldar a forma como nos ligamos ao mundo durante a próxima década. A questão que fica no ar é simples: quem vai controlar esta rede vital – as grandes corporações ou os cidadãos que dela dependem?
A resposta pode estar mais perto do que pensamos, escondida naquele cabo que entra pela nossa janela e que, sem darmos por isso, se tornou a artéria principal da nossa vida digital.
A guerra silenciosa das telecomunicações: como os gigantes da fibra estão a mudar Portugal
