O sol que não aquece: os obstáculos que travam a revolução solar em Portugal

O sol que não aquece: os obstáculos que travam a revolução solar em Portugal
Há uma contradição que salta à vista de quem percorre o país: Portugal tem mais de 300 dias de sol por ano, mas continua dependente de energias fósseis. Enquanto os governos sucessivos anunciam metas ambiciosas para as renováveis, no terreno a realidade é bem diferente. As barreiras burocráticas, a falta de infraestruturas e os interesses instalados formam um triângulo das bermudas onde desaparecem as boas intenções.

As licenças para projetos solares podem demorar até três anos a ser aprovadas, um tempo que mata qualquer viabilidade económica. Enquanto isso, os pequenos produtores enfrentam um labirinto de papeladas que desencoraja até os mais persistentes. A promessa de uma revolução energética parece cada vez mais distante quando se confronta com a teia de regulamentos e entraves.

Nos bastidores, a guerra silenciosa entre os grandes players energéticos e os novos entrantes intensifica-se. As redes de distribuição, muitas delas obsoletas, não conseguem absorver a energia produzida nos picos de produção solar. O resultado? Centrais solares obrigadas a reduzir produção enquanto continuamos a importar gás natural.

A crise geopolítica veio agravar esta situação paradoxal. Com os preços da energia a bater recordes históricos, a urgência de acelerar a transição energética nunca foi tão evidente. No entanto, os projetos continuam emperrados nos corredores das direções-gerais, vítimas de uma burocracia que não acompanha a emergência climática.

As comunidades locais começam a organizar-se, criando cooperativas energéticas que desafiam o modelo tradicional. Em Alentejo, um grupo de agricultores instalou painéis solares que alimentam não só as suas explorações como vendem o excedente à rede. São casos isolados, mas que mostram o caminho possível quando se ultrapassam as barreiras iniciais.

O financiamento é outro calcanhar de Aquiles. Os bancos portugueses ainda olham com desconfiança para projetos solares de média dimensão, preferindo apostar no seguro - as grandes centrais promovidas pelos habituais suspeitos. O acesso ao capital torna-se assim mais um filtro que exclui os pequenos e médios investidores.

A tecnologia, ironicamente, não é o problema. Os painéis solares são cada vez mais eficientes e baratos. As soluções de armazenamento evoluem a ritmo acelerado. O que falta é a coragem política para desmantelar os obstáculos que protegem os interesses estabelecidos há décadas.

Os números não mentem: Portugal poderia produzir até 80% da sua eletricidade através da energia solar até 2030, mas ao ritmo atual nem metade será alcançado. Enquanto os nossos vizinhos espanhóis avançam a passo acelerado, nós continuamos presos na teia de uma transição que não avança.

As autarquias emergem como atores cruciais neste processo. Alguns municípios, cansados de esperar por soluções nacionais, começam a criar os seus próprios regimes simplificados. Em Odemira, o tempo de licenciamento para microprodução reduziu-se de 18 para 3 meses. Um exemplo que devia ser replicado por todo o país.

O futuro está a ser decidido agora, nos gabinetes lisboetas e nas salas de reuniões dos grandes grupos energéticos. Enquanto se discute, o sol continua a brilhar, grátis e abundante, esperando que finalmente aprendamos a aproveitar o que a natureza nos oferece de bandeja.

A verdade é que a revolução solar em Portugal não precisa de mais discursos ou planos estratégicos. Precisa de ação concreta, de desburocratização urgente e de vontade política para enfrentar os lobbies que travam o progresso. O tempo de esperar acabou - ou aproveitamos esta janela de oportunidade, ou ficaremos para trás na corrida energética do século.

Subscreva gratuitamente

Terá acesso a conteúdo exclusivo, como descontos e promoções especiais do conteúdo que escolher:

Tags

  • Energia Solar
  • Transição Energética
  • burocracia
  • renováveis
  • Portugal