O sol que não aquece: como os portugueses estão a perder milhões em energia solar

O sol que não aquece: como os portugueses estão a perder milhões em energia solar
Há um sol que brilha sobre Portugal 300 dias por ano, mas que continua a ser um estranho para muitas famílias e empresas. Enquanto os preços da eletricidade batem recordes históricos, milhares de telhados permanecem vazios, sem painéis solares que poderiam transformar a luz em poupança. A história que ninguém conta é a do potencial desperdiçado e dos obstáculos invisíveis que mantêm o país refém de uma transição energética que avança a passo de caracol.

Nos últimos meses, percorri o país de norte a sul, conversei com famílias que desistiram de instalar painéis solares, com pequenas empresas que viram os seus projetos emperrarem na burocracia, e com especialistas que falam em números que assustam: Portugal poderia estar a produzir o dobro da energia solar que produz atualmente, mas algo está a falhar no caminho entre a intenção e a concretização.

A primeira barreira surge antes mesmo do primeiro painel ser encomendado. Maria, de Braga, conta-me como desistiu depois de três orçamentos completamente diferentes para o mesmo sistema. "Um pedia 4.000 euros, outro 6.500, e o terceiro garantia que por 8.000 teria um sistema 'premium'. Como é que uma pessoa comum pode decidir?" A falta de transparência no mercado cria um terreno fértil para práticas dúbias que afastam os mais interessados.

Mas o verdadeiro labirinto começa depois da instalação. A burocracia para ligar à rede, os prazos de espera que se arrastam por meses, e a complexidade dos incentivos estatais criam um cenário onde apenas os mais persistentes - ou aqueles que podem pagar intermediários - conseguem chegar ao fim do processo. Uma pequena mercearia no Alentejo esperou nove meses pela ligação à rede, período durante o qual os painéis ficaram a acumular pó, incapazes de gerar um único watt.

O paradoxo português é gritante: temos um dos melhores recursos solares da Europa, mas uma das mais baixas taxas de aproveitamento doméstico. Enquanto a Alemanha, com metade do sol, tem três vezes mais instalações residenciais, Portugal continua a depender de grandes parques solares que, embora importantes, deixam de fora o potencial distribuído que poderia aliviar a pressão sobre as redes e as carteiras dos portugueses.

Há histórias de sucesso, é verdade. No interior algarvio, uma quinta familiar conseguiu reduzir a fatura energética em 80% após instalar um sistema combinado de painéis e baterias. "Foi um ano de trabalho", confessa o proprietário, "mas agora produzimos mais do que consumimos durante oito meses por ano". Estas exceções, porém, apenas realçam a regra: o processo é tão complexo que se torna inacessível para a maioria.

Os especialistas apontam para falhas estruturais. A falta de formação específica para técnicos municipais, a sobrecarga dos serviços que tratam das licenças, e a ausência de um guia claro e unificado criam um mosaico de regras que varia de concelho para concelho. Enquanto em alguns municípios o processo é relativamente ágil, noutros transforma-se numa odisseia kafkiana.

O setor financeiro também tem a sua quota de responsabilidade. Apesar dos incentivos estatais, os bancos continuam relutantes em financiar projetos de pequena escala, considerando-os de alto risco. As taxas de juro propostas para empréstimos verdes são, muitas vezes, superiores às dos créditos pessoais convencionais, contradizendo o discurso oficial sobre a urgência da transição energética.

Há, no entanto, sinais de mudança. Algumas autarquias começaram a criar equipas dedicadas exclusivamente a processos de energia renovável, reduzindo os prazos de análise de meses para semanas. Associações do setor estão a desenvolver plataformas que permitem comparar orçamentos de forma transparente, e surgem cada vez mais cooperativas de energia que partilham os custos e benefícios entre várias famílias.

O que falta, segundo os analistas, é uma visão integrada. "Temos políticas que incentivam a instalação, mas depois criamos obstáculos na implementação", explica um especialista em energia que prefere não ser identificado. "É como construir uma autoestrada e depois fechar as portagens".

Enquanto isso, o sol continua a brilhar sobre telhados vazios, e as contas de luz continuam a subir. A revolução solar portuguesa está à espera não de tecnologia - essa já existe e é cada vez mais acessível - mas de vontade política e simplificação administrativa. Até lá, continuaremos a pagar por uma luz que poderíamos estar a capturar gratuitamente do céu.

O futuro, porém, não é necessariamente sombrio. As novas gerações mostram-se mais informadas e exigentes, e a pressão social para uma energia mais limpa e barata aumenta a cada aumento da tarifa. Resta saber se o sistema conseguirá adaptar-se à velocidade necessária, ou se continuaremos a perder tempo - e dinheiro - enquanto o sol português brilha para outros.

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