O paradoxo energético português: sol a brilhar mas painéis a faltar

O paradoxo energético português: sol a brilhar mas painéis a faltar
Enquanto Portugal bate recordes de produção solar, com dias em que a energia fotovoltaica chega a suprir mais de 30% do consumo nacional, um silêncio inquietante persiste nos telhados das cidades. O país do sol continua a ter uma das taxas mais baixas de autoconsumo da Europa, um paradoxo que especialistas começam a desvendar.

A investigação do Observador revela que, apesar dos incentivos governamentais, a burocracia continua a ser o maior inimigo da transição energética. Famílias que tentam instalar painéis solares enfrentam meses de espera por licenças municipais, processos complexos de ligação à rede e uma teia regulatória que desencoraja até os mais determinados.

O Expresso documentou casos emblemáticos: no Alentejo, uma quinta familiar esperou 14 meses pela autorização para instalar 20 painéis, enquanto em Lisboa um condomínio abandonou o projeto após descobrir que necessitava de 12 assinaturas diferentes de entidades municipais. "É mais fácil abrir um café do que produzir a própria energia", queixa-se um dos condóminos.

Mas o problema vai além da papelada. O Jornal de Negócios expôs a fragilidade da cadeia de abastecimento: a dependência de componentes chineses, os atrasos nos portos e a escassez de instaladores qualificados criam gargalos que travam a expansão. "Temos sol, temos tecnologia, mas faltam técnicos e agilidade", confirma o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis.

O Público mergulhou no paradoxo financeiro: enquanto o preço da energia comercial atinge máximos históricos, o retorno do investimento em painéis solares nunca foi tão atraente - mas o acesso ao crédito para famílias e pequenas empresas mantém-se restritivo. Bancos ainda classificam o investimento em renováveis como de alto risco, herança de um passado de incertezas políticas.

A Eco Sapo traçou o mapa da desigualdade solar: o Algarve e o Alentejo lideram a instalação de painéis, enquanto nas regiões norte e centro a penetração é residual. "Não é questão de sol, é questão de informação e acesso", defende uma investigadora da Universidade de Coimbra. "As pessoas não sabem que podem poupar centenas de euros por ano."

O Dinheiro Vivo revelou o drama dos preços: o custo médio de uma instalação residencial subiu 23% no último ano, pressionado pela inflação nos materiais e pela procura internacional. Portugal compete com a Alemanha e a Holanda pelos mesmos painéis, mas com poder de compra significativamente menor.

Especialistas contactados por várias redações apontam soluções: simplificação radical dos processos através de plataformas digitais, formação acelerada de instaladores e programas de financiamento específicos. "Precisamos de tratar a energia solar como uma necessidade nacional, não como um luxo opcional", defende um economista especializado.

O caso de Odemira serve de exemplo do que poderia ser: a primeira comunidade energética rural do país já produz excedentes que vende à rede, gerando receitas que financiam outros projetos comunitários. "É a demonstração de que quando há vontade política e envolvimento local, os resultados aparecem", explica o presidente da junta.

Enquanto isso, nas grandes cidades, os telhados continuam vazios. Um potencial energético equivalente a uma central nuclear dorme sob o sol português, à espera de que a burocracia dê lugar à pragmática e o medo do novo se transforme em confiança no futuro.

O relógio climático não espera, e cada telhado vazio é uma oportunidade perdida num país que se quer neutro em carbono dentro de uma geração. A pergunta que fica é: Portugal acordará a tempo para aproveitar o sol que tão generosamente lhe oferecem?

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