Num país onde o sol é quase um recurso nacional, Portugal continua a nadar contra a maré da transição energética. Enquanto os painéis solares multiplicam-se nos telhados algarvios e alentejanos, os consumidores ainda sentem o peso das faturas de energia como se vivessem na Escandinávia. A ironia é dolorosa: temos mais horas de sol que a maioria dos países europeus, mas pagamos preços que rivalizam com os dos países nórdicos.
A investigação revela que o problema não está na falta de potencial, mas sim num emaranhado burocrático que estrangula o crescimento da energia solar. Os processos de licenciamento para parques solares podem demorar até três anos – tempo suficiente para que uma criança complete o primeiro ciclo do ensino básico enquanto espera que a papelada seja aprovada.
Os dados são elucidativos: Portugal instalou 2,2 GW de capacidade solar em 2023, um recorde nacional, mas ainda assim insuficiente para cumprir as metas do Plano Nacional Energia e Clima. A meta para 2030 é atingir 20 GW, o que significa que precisamos de acelerar o ritmo de instalação em pelo menos 300%.
O setor residencial vive sua própria revolução silenciosa. As comunidades energéticas estão a florescer no interior do país, onde vizinhos unem-se para instalar painéis comunitários e partilhar a energia produzida. Em Monsaraz, uma pequena vota alentejana, 40 famílias criaram a primeira comunidade energética rural do país, reduzindo as suas faturas em 60%.
Mas nem tudo são boas notícias. A falta de investimento em redes de distribuição está a criar gargalos preocupantes. Em dias de muito sol, os parques solares do Alentejo são forçados a reduzir a produção porque as linhas de transporte não conseguem escoar toda a energia para o norte do país.
O armazenamento energético emerge como o Santo Graal desta transição. As baterias de grande escala ainda são uma miragem no panorama nacional, enquanto países como a Alemanha e o Reino Unido já têm projetos de armazenamento que permitem guardar a energia solar para uso noturno.
O aspecto social da equação não pode ser ignorado. As famílias de baixos rendimentos continuam excluídas desta revolução solar. Os custos iniciais de instalação permanecem proibitivos para muitas households, criando uma divisão entre quem pode aproveitar o sol e quem continua refém dos preços de mercado.
As empresas portuguesas estão a descobrir que a energia solar não é apenas uma questão de sustentabilidade, mas sim de competitividade. A Navigator Company instalou a maior central solar para auto-consumo industrial da Europa peninsular, reduzindo a sua pegada carbónica e os custos operacionais de forma significativa.
O futuro parece brilhante, mas exige decisões corajosas. A descarbonização da economia portuguesa depende da nossa capacidade de transformar a abundância solar em vantagem competitiva. Os próximos anos serão decisivos para saber se seremos líderes ou meros espectadores na revolução energética europeia.
O paradoxo energético português: quando o sol brilha mas a conta não baixa
