Enquanto os holofotes mediáticos se concentram nos megaprojetos eólicos e nas controvérsias do hidrogénio verde, uma revolução silenciosa está a transformar a paisagem energética portuguesa. Nos telhados das casas, nos terrenos agrícolas abandonados e até nas águas dos reservatórios, os painéis solares multiplicam-se a um ritmo que surpreende até os mais otimistas.
Os números falam por si: Portugal ultrapassou em 2023 os 2,5 GW de capacidade solar instalada, um crescimento de mais de 40% face ao ano anterior. Mas o que estes dados não revelam é a mudança cultural por trás dos megawatts. O sol deixou de ser apenas uma fonte de energia para se tornar um ativo económico estratégico, uma espécie de "novo petróleo" que jorra do céu sem custos de extração.
Nos armazéns industriais da Margem Sul do Tejo, os telhados transformaram-se em centrais elétricas. Empresas que antes viam os seus espaços como meros abrigos descobriram que podem gerar receitas significativas através da venda de excedentes à rede. O fenómeno é particularmente visível no setor agroalimentar, onde os consumos energéticos elevados tornam o investimento em solar quase obrigatório.
Mas a verdadeira disrupção está a acontecer no mundo rural. Agricultores que durante décadas lutaram contra a seca e os preços baixos descobriram que podem arrendar partes dos seus terrenos para parques solares, garantindo rendimentos estáveis que complementam a atividade agrícola. Em regiões como o Alentejo, onde o sol brilma mais de 300 dias por ano, esta dupla exploração - agrícola e energética - está a rejuvenescer comunidades que pareciam condenadas ao declínio.
A inovação tecnológica acelera esta transformação. Os painéis bifaciais, que captam luz refletida no solo, aumentam a produtividade em até 20%. Os sistemas de tracking solar, que seguem o movimento do sol como girassóis high-tech, maximizam a produção durante todo o dia. E as baterias de armazenamento, cada vez mais acessíveis, resolvem o problema intermitência que sempre foi o calcanhar de Aquiles da energia solar.
O setor residencial vive a sua própria revolução. As comunidades energéticas, permitidas pela nova legislação, permitem que vizinhos partilhem a energia produzida coletivamente. Prédios inteiros estão a instalar micro-redes que os tornam virtualmente independentes da rede nacional durante grande parte do ano. E o autoconsumo colectivo está a democratizar o acesso à energia solar, mesmo para quem não tem telhado próprio.
Os desafios, contudo, persistem. A rede elétrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, luta para absorver a energia distribuída que flui de milhares de pequenas centrais. Os processos de licenciamento, embora mais ágeis que no passado, ainda representam um obstáculo significativo. E a dependência de componentes importados, principalmente da China, coloca questões de segurança energética que merecem reflexão.
O futuro promete ainda mais inovação. As estradas solares, que transformam o asfalto em superfícies geradoras de energia, estão em fase experimental. As flutuovoltaicas - painéis instalados em albufeiras - combinam produção energética com redução da evaporação de água. E a agrivoltaica, que integra culturas agrícolas com painéis solares, está a criar um novo paradigma de uso do solo.
O que começou como um nicho ambientalista transformou-se num pilar estratégico da economia portuguesa. O sol, sempre presente na identidade nacional, revela-se agora como a chave para a independência energética e para uma transição justa que beneficia desde as grandes industrias até as famílias mais modestas. A revolução solar portuguesa não é apenas sobre energia - é sobre reinventar o país sob um novo sol.
O boom silencioso da energia solar em Portugal: como o sol se tornou o novo petróleo
