Enquanto os holofotes mediáticos se concentram nos grandes projetos eólicos e hidroelétricos, uma revolução silenciosa está a acontecer nos telhados, quintais e terrenos abandonados de Portugal. A energia solar, outrora considerada uma alternativa marginal, transformou-se no motor mais dinâmico da transição energética nacional. Nos últimos dois anos, a capacidade instalada fotovoltaica cresceu mais de 150%, um ritmo que surpreende até os mais otimistas do setor.
Os números contam uma história eloquente: segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, Portugal ultrapassou os 2,5 GW de potência solar instalada no final de 2023, com previsões de atingir os 4 GW ainda este ano. Este crescimento explosivo não se deve apenas aos grandes parques solares que pontuam o Alentejo e o Algarve, mas sobretudo à adesão massiva de famílias e pequenas empresas ao autoconsumo.
O que explica esta mudança de paradigma? Uma conjugação única de fatores: a redução drástica dos custos dos painéis solares (que caíram mais de 80% na última década), os preços recorde da eletricidade na rede convencional, e um quadro regulamentar finalmente favorável. O programa 'RepowerEU' da Comissão Europeia, com fundos específicos para energias renováveis, veio acelerar ainda mais este processo.
Mas por detrás dos números há histórias humanas fascinantes. Como a de Maria João, agricultora do Ribatejo que instalou painéis solares num terreno improdutivo e hoje vende eletricidade à rede, criando uma fonte de rendimento adicional que a ajuda a enfrentar a seca e a inflação. Ou a da pequena fábrica de calçado em Felgueiras que reduziu a sua fatura energética em 60% e tornou-se mais competitiva no mercado internacional.
Os desafios, contudo, persistem. A rede elétrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, mostra-se por vezes incapaz de absorver toda a energia solar produzida, especialmente nas horas de maior radiação. Os atrasos no licenciamento e a falta de técnicos especializados são outros obstáculos que travam um crescimento ainda mais acelerado.
O armazenamento de energia emerge como o próximo grande fronteira. As baterias domésticas e comunitárias começam a aparecer como solução para o desperdício de energia solar nas horas de menor consumo. Projetos piloto no Alentejo testam já sistemas de armazenamento em larga escala que poderão revolucionar a forma como gerimos a energia.
O impacto económico vai muito além da poupança nas faturas de luz. Estima-se que o setor solar tenha criado mais de 8.000 empregos diretos em Portugal, muitos deles em regiões do interior com poucas alternativas laborais. A indústria nacional de componentes para energia solar começa também a ganhar escala, reduzindo a dependência de importações.
O futuro aponta para uma integração cada vez mais inteligente entre produção solar, mobilidade elétrica e eficiência energética. Os carros elétricos funcionarão como baterias sobre rodas, as smart grids permitirão uma gestão mais eficiente dos consumos, e os edifícios tornar-se-ão produtores ativos de energia em vez de meros consumidores passivos.
Portugal tem aqui uma oportunidade histórica: com mais de 3.000 horas de sol por ano, poderá não apenas garantir a sua independência energética, mas tornar-se exportador de energia limpa para o resto da Europa. O sol, que durante séculos moldou a nossa cultura e agricultura, está agora a moldar o nosso futuro energético.
Esta revolução solar representa muito mais do que uma mudança tecnológica: é uma transformação social, económica e cultural que está a redistribuir o poder energético, a criar novas oportunidades nas regiões mais carenciadas, e a demonstrar que a transição para uma economia descarbonizada não é apenas necessária, mas economicamente vantajosa.
O boom silencioso da energia solar em Portugal: como o sol está a mudar o nosso futuro energético
