Nos últimos meses, Portugal tem assistido a uma revolução silenciosa nos campos alentejanos e nas zonas industriais do país. O hidrogénio verde, produzido através de energia solar, está a emergir como a grande aposta estratégica para a descarbonização da economia portuguesa.
Enquanto percorria a central solar de Sines, pude testemunhar em primeira mão como os painéis fotovoltaicos se estendem até onde a vista alcança, alimentando os eletrolisadores que separam as moléculas de água em hidrogénio e oxigénio. Este processo, que parecia ficção científica há uma década, tornou-se realidade económica graças à queda drástica dos custos da energia solar.
Os números falam por si: Portugal possui uma das maiores taxas de irradiação solar da Europa, com mais de 300 dias de sol por ano. Esta vantagem competitiva está a atrair investimentos massivos de gigantes energéticos internacionais. A Galp, a EDP e a REN estão a liderar projetos que ultrapassam os 900 milhões de euros, criando uma nova cadeia de valor que vai desde a produção até à distribuição.
Mas a verdadeira revolução está a acontecer nos portos nacionais. Sines está a ser preparado para se tornar um hub de exportação de hidrogénio verde para o norte da Europa, enquanto o porto de Aveiro desenvolve infraestruturas especializadas para abastecer a indústria pesada. Esta estratégia posiciona Portugal não apenas como produtor, mas como player global no mercado energético do futuro.
Os desafios, no entanto, são significativos. A intermitência da energia solar exige soluções de armazenamento inovadoras, e a construção de pipelines dedicados ao transporte de hidrogénio representa um investimento colossal. Os especialistas com quem conversei alertam para a necessidade de regulamentação clara e de incentivos fiscais que garantam a competitividade face aos combustíveis fósseis.
O setor dos transportes está particularmente atento a estes desenvolvimentos. Autocarros movidos a hidrogénio já circulam em Lisboa e Porto, enquanto a CP estuda a conversão de linhas ferroviárias não eletrificadas. A indústria cementeira e a siderurgia, tradicionalmente grandes emissores de CO2, veem no hidrogénio verde a solução para a sua descarbonização.
O financiamento europeu tem sido crucial. Portugal já captou mais de 500 milhões de euros do Fundo de Inovação da UE, mas os investidores privados exigem garantias de retorno a longo prazo. Os leilões de capacidade de produção, marcados para o próximo ano, serão o termómetro do real interesse do mercado.
As comunidades locais mostram-se divididas. Enquanto algumas celebram a criação de emprego qualificado, outras receiam o impacto visual das centrais solares e a competição pelo uso do solo. O diálogo entre empresas, autarquias e população tornou-se essencial para o sucesso dos projetos.
A aposta tecnológica é igualmente arriscada. A eficiência dos eletrolisadores ainda está longe do ideal, e a corrida global por matérias-primas como a platina e o irídio pode criar estrangulamentos na cadeia de abastecimento. Laboratórios portugueses trabalham a todo o vapor no desenvolvimento de catalisadores mais eficientes e menos dependentes de metais raros.
O timing é tudo. A guerra na Ucrânia acelerou a transição energética europeia, criando uma janela de oportunidade que Portugal não pode desperdiçar. Os preços recorde do gás natural tornaram o hidrogén verde competitivo mais rapidamente do que qualquer previsão otimista poderia antecipar.
Os próximos 24 meses serão decisivos. As primeiras megatoneladas de hidrogénio verde produzidas em Portugal começarão a alimentar a indústria nacional, enquanto os primeiros carregamentos para a Alemanha e Holanda testarão a logística de exportação. O sucesso destes projetos pioneiros determinará o scale-up da ambição nacional.
O que começou como um nicho tecnológico transformou-se numa estratégia nacional que pode redefinir o lugar de Portugal no mapa energético europeu. O sol, que sempre iluminou as nossas praias, está agora a alimentar uma revolução industrial verde que promete deixar marcas profundas na economia e no ambiente.
O boom do hidrogénio verde em Portugal: como o sol está a transformar a nossa energia
