Nos últimos dois anos, Portugal transformou-se num laboratório vivo da transição energética. Enquanto os grandes projetos fotovoltaicos dominam as manchetes, uma revolução silenciosa está a acontecer nos telhados, varandas e quintais do país. Os portugueses estão a descobrir que podem ser produtores de energia, não apenas consumidores.
Os números contam uma história impressionante. Segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, a potência instalada de solar fotovoltaico em regime de autoconsumo ultrapassou os 1,2 GW em 2023, um crescimento de 47% face ao ano anterior. Esta explosão não se deve apenas aos grandes investidores institucionais - as famílias e pequenas empresas representam mais de 60% desta capacidade.
O que está a alimentar esta corrida ao sol? A resposta está numa combinação única de fatores: preços dos painéis em queda livre (redução de 80% na última década), tarifas de eletricidade em máximos históricos e um quadro regulatório finalmente favorável. A burocracia, outrora um pesadelo, reduziu-se de meses para dias graças à plataforma única de licenciamento.
Mas a verdadeira mudança está a acontecer a nível comportamental. As comunidades energéticas estão a florescer de norte a sul, com vizinhos a unir-se para instalar painéis partilhados. Em Oliveira do Hospital, uma cooperativa local abastece 120 famílias. Em Lisboa, um condomínio de 40 apartamentos tornou-se autossuficiente em energia durante o dia.
Os desafios, no entanto, persistem. A rede elétrica nacional, desenhada para fluxos unidirecionais, está a ser posta à prova pela energia injectada por milhares de pequenos produtores. A Rede Elétrica Nacional já identificou 32 zonas onde a capacidade de receção está saturada, obrigando a investimentos urgentes em infraestrutura.
A indústria nacional tenta acompanhar o ritmo. A fabricação de componentes para energia solar cresceu 200% em 2023, mas ainda importamos 85% dos painéis, maioritariamente da China. Especialistas alertam para a necessidade de desenvolver uma cadeia de valor local para não trocar a dependência do gás pela dependência tecnológica.
O armazenamento emerge como o próximo frontier. As baterias caseiras ainda são um luxo para a maioria, mas os preços começam a cair. A EDP distribuiu no ano passado 2.000 sistemas de armazenamento em regime experimental, preparando o terreno para a próxima fase: casas verdadeiramente independentes da rede.
Os benefícios vão além da poupança nas faturas. Um estudo da Universidade do Porto calculou que cada megawatt de solar instalado cria 12 postos de trabalho locais, muitos deles em zonas rurais com poucas alternativas. A formação profissional em energias renováveis tornou-se uma das áreas com maior empregabilidade.
O futuro promete ainda mais democratização. Novas tecnologias como os painéis transparentes para janelas e as telhas solares estão a chegar ao mercado, tornando a produção energética invisível e integrada na arquitetura. Lisboa aprovou recentemente um regulamento que obriga todos os novos edifícios a incorporar produção solar.
Esta revolução energética de baixo para cima está a redefinir o relacionamento dos portugueses com a energia. De consumidores passivos a produtores ativos, os cidadãos estão a tomar nas suas mãos o combate às alterações climáticas - um megawatt de cada vez.
O boom da energia solar em Portugal: como os cidadãos estão a tomar o controlo da produção energética
