Seguros automóvel: o que as seguradoras não querem que saiba sobre os seus dados

Seguros automóvel: o que as seguradoras não querem que saiba sobre os seus dados
Imagine que cada vez que liga o motor do seu carro, está a criar uma história. Não uma história de aventuras rodoviárias, mas uma narrativa digital composta por zeros e uns que vale mais do que o próprio veículo. Nas redações dos principais meios de comunicação portugueses, desde o Observador ao Jornal Económico, discute-se silenciosamente uma revolução que está a transformar a forma como pagamos pelos seguros automóvel. E a verdade é que a maioria dos condutores nem sequer suspeita do valor dos seus próprios hábitos ao volante.

Os telemáticos, esses dispositivos discretos que monitorizam a forma como conduzimos, não são apenas ferramentas de avaliação de risco. Tornaram-se moedas de troca num mercado onde os dados valem ouro. Quando aceita um desconto por instalar uma caixa preta no seu carro, está a trocar a sua privacidade por algumas dezenas de euros. Mas o que acontece realmente com essa informação? Segundo investigações do ECO Sapo, as seguradoras não apenas avaliam o seu perfil de risco – criam perfis comportamentais que podem ser vendidos a terceiros, desde empresas de marketing a fabricantes de automóveis.

A Revista dos Seguros revelou recentemente que algumas companhias utilizam algoritmos que analisam mais de 100 variáveis diferentes. Não se trata apenas de saber se trava bruscamente ou acelera demasiado. O sistema avalia padrões: conduz melhor de manhã ou à noite? Prefere estradas nacionais ou autoestradas? Até o seu estado emocional ao volante pode ser inferido através da forma como segura o volante. Esta mineração de dados criou uma assimetria de informação tão profunda que muitos especialistas, citados pelo Razão Automóvel, começam a questionar se ainda podemos falar de consentimento informado.

O mais intrigante é que esta revolução silenciosa está a criar duas classes de condutores. De um lado, os "bons alunos" que recebem descontos generosos. Do outro, os "problemáticos" que veem os seus prémios aumentarem sem compreenderem bem porquê. O Automais documentou casos de condutores com décadas de experiência sem acidentes que viram os seus seguros subirem porque os algoritmos detetaram "padrões de condução agressiva" durante as horas de ponta. A definição do que constitui condução perigosa deixou de ser determinada por reguladores e passou para as mãos de programadores cujos critérios nunca são totalmente transparentes.

Mas há um lado ainda mais obscuro nesta equação. As seguradoras começam a utilizar estes dados para antecipar não apenas acidentes, mas também comportamentos de compra. Se o seu carro tem sete anos e os dados mostram que faz muitas viagens longas, pode receber uma oferta para um novo veículo antes mesmo de considerar a compra. Esta antecipação do desejo do consumidor, analisada pelo Jornal Económico, representa uma mudança fundamental na relação entre seguradoras e segurados. Já não estamos a falar apenas de proteção contra riscos – estamos perante uma reengenharia completa do conceito de mobilidade.

A questão que se coloca, e que o Observador tem vindo a explorar em reportagens investigativas, é: até que ponto estamos dispostos a trocar a nossa liberdade por conveniência? Os descontos nos seguros são tentadores, especialmente numa altura em que os preços dos automóveis e dos combustíveis não param de subir. Mas o custo real desta transação pode ser muito mais elevado do que imaginamos. Estamos a criar um sistema onde cada curva, cada travagem, cada aceleração se transforma em capital para empresas que pouco nos dizem sobre como utilizam essa informação.

O futuro, segundo especialistas consultados por vários destes meios, aponta para seguros totalmente personalizados. Não apenas baseados na forma como conduz, mas também na sua saúde, nos seus hábitos de consumo, até no seu historial de navegação na internet. Esta hiperpersonalização promete preços mais justos, mas também levanta questões éticas profundas. Onde traçamos a linha entre personalização e vigilância? Entre desconto justo e discriminação algorítmica?

Enquanto conduz para casa hoje, pense nisto: cada movimento seu está a ser avaliado, classificado e monetizado. A estrada deixou de ser apenas um espaço físico – transformou-se num campo de dados onde a sua liberdade de condução negocia-se byte a byte. A questão não é se deve ou não aceitar estes dispositivos, mas sim que garantias exige antes de o fazer. Porque na nova economia dos seguros automóvel, os dados são a nova moeda. E, ao contrário do dinheiro, uma vez dados, nunca mais os recupera.

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