Há um segredo que circula nos corredores das seguradoras e que poucos consumidores conhecem: o preço do seu seguro automóvel pode ter mais a ver com o seu código postal do que com o seu histórico de condução. Enquanto os portugueses enfrentam aumentos sucessivos nos prémios de seguro, as empresas do sector continuam a aplicar algoritmos que penalizam determinadas zonas do país, independentemente do perfil do condutor.
A investigação levada a cabo durante várias semanas revela que um condutor com 40 anos, sem acidentes e a conduzir um Volkswagen Golf paga até 28% mais pelo mesmo seguro se viver em certas áreas de Lisboa ou Porto, comparativamente com residentes em cidades do interior. Esta discriminação geográfica, embora legal, levanta questões sobre a transparência do sector.
Mas a localização não é o único fator oculto. O tipo de profissão, o estado civil e até o nível educacional influenciam significativamente o valor final. Um advogado solteiro com mestrado pagará menos do que um empregado de restaurante casado com o ensino secundário, mesmo que ambos tenham exatamente o mesmo carro e histórico de sinistros.
As seguradoras defendem estas práticas com base em estudos estatísticos que demonstram correlações entre certas características e a probabilidade de sinistro. No entanto, especialistas em proteção de dados questionam se estas práticas não violam o espírito do RGPD, que proíbe a discriminação com base em dados sensíveis.
O mercado português de seguros automóvel movimenta anualmente mais de 2 mil milhões de euros, com margens de lucro que têm vindo a aumentar consistentemente. Enquanto isso, os consumidores enfrentam dificuldades em comparar ofertas, dada a complexidade dos questionários e a falta de transparência nos critérios de cálculo.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem recebido cada vez mais queixas sobre esta falta de clareza. Um porta-voz da entidade confirmou que estão a analisar "práticas potencialmente discriminatórias" no sector, embora tenha recusado avançar prazos para conclusão da investigação.
Para os consumidores, a solução passa pela negociação direta e pela comparação minuciosa de várias propostas. Especialistas recomendam questionar sempre os critérios de cálculo e pedir esclarecimentos sobre como cada característica pessoal afeta o prémio final.
A tecnologia está a emergir como possível aliado dos consumidores. Novas startups estão a desenvolver plataformas que prometem maior transparência nos cálculos, forçando as seguradoras tradicionais a repensar as suas estratégias de preçificação.
Enquanto o debate continua, milhares de portugueses continuam a pagar preços que podem não refletir o seu risco real. A verdade é que, no mundo dos seguros automóvel, nem todos os condutores são tratados de forma igual - e conhecer as regras do jogo pode fazer a diferença entre pagar a mais ou o justo.
Seguros automóvel: o que as seguradoras não contam sobre os preços que pagamos
