Seguro automóvel: o que as seguradoras não querem que saiba sobre as novas regras

Seguro automóvel: o que as seguradoras não querem que saiba sobre as novas regras
Há uma revolução silenciosa a acontecer nas apólices de seguro automóvel em Portugal, e poucos condutores estão verdadeiramente conscientes das mudanças que estão a moldar o futuro da mobilidade. Enquanto as seguradoras apresentam novas ofertas com pompa e circunstância, os detalhes mais importantes permanecem enterrados em letra miúda, criando um fosso perigoso entre o que é prometido e o que é realmente entregue.

A entrada em vigor do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro trouxe consigo alterações profundas que vão muito além da simples atualização de preços. Uma das mudanças mais significativas – e menos divulgada – é a redefinição do conceito de 'culpa exclusiva' em acidentes. Agora, as seguradoras têm mais margem para distribuir responsabilidades de forma assimétrica, criando cenários onde ambos os condutores podem ser considerados parcialmente culpados, mesmo em situações que antes seriam claramente atribuídas a apenas uma das partes.

Esta nebulosidade jurídica abre espaço para manobras que beneficiam as seguradoras em detrimento dos segurados. Imagine um cenário comum: um condutor para num sinal vermelho e é embatido por trás. Sob as novas regras, a seguradora do condutor que embateu pode argumentar que o primeiro parou de forma demasiado brusca, atribuindo-lhe 20% de culpa. O resultado? Ambos os condutores veem os seus prémios aumentarem no ano seguinte, enquanto a seguradora reduz o valor da indemnização em 20%.

Mas as mudanças não se ficam por aqui. A digitalização forçada dos processos está a criar uma nova forma de exclusão. Idosos e pessoas com menor literacia digital encontram-se cada vez mais marginalizados, incapazes de aceder aos descontos reservados para quem gere tudo online. As seguradoras apresentam isto como modernização, mas a realidade é que estão a criar um sistema de duas velocidades onde os mais vulneráveis pagam mais pelo mesmo serviço.

A telemetria – a monitorização eletrónica dos hábitos de condução através de dispositivos ou aplicações – é outra área onde o diabo está nos detalhes. As empresas prometem descontos até 30% para quem aceita ser monitorizado, mas raramente explicam que estes dispositivos recolhem muito mais do que simples dados de condução. A localização em tempo real, os hábitos de deslocação, os locais frequentados – tudo se torna matéria-prima valiosa que é depois vendida a terceiros ou usada para criar perfis de risco cada vez mais intrusivos.

O que mais preocupa especialistas como Maria Silva, advogada especializada em direito dos seguros, é a erosão progressiva dos direitos dos consumidores. 'Estamos a assistir a uma transferência sistemática de risco para os segurados', explica. 'As franquias aumentam, as coberturas diminuem, e as exclusões multiplicam-se. O seguro deixou de ser um instrumento de proteção para se tornar um produto financeiro onde o lucro está acima da segurança dos condutores.'

A eletrificação da frota automóvel trouxe novos desafios que as seguradoras estão longe de resolver. Os seguros para veículos elétricos continuam significativamente mais caros, apesar dos estudos demonstrarem que estes veículos têm menos probabilidade de se envolverem em acidentes graves. A justificação? O custo elevado das baterias e a suposta complexidade das reparações. No entanto, esta narrativa ignora que muitos dos componentes dos veículos elétricos são mais simples e duráveis do que os dos veículos a combustão.

A verdade inconveniente é que o mercado de seguros automóvel em Portugal opera num equilíbrio frágil entre a necessidade de lucro das seguradoras e a proteção dos consumidores. Enquanto a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tenta manter o equilíbrio, a velocidade das inovações tecnológicas e a complexidade dos novos produtos criam brechas que são exploradas de forma sistemática.

A solução, segundo os especialistas, passa por uma maior transparência e educação financeira. Os condutores precisam de compreender que o seguro mais barato nem sempre é o melhor, e que os descontos aparentemente generosos muitas vezes escondem reduções significativas na cobertura. Ler a apólice – toda a apólice – tornou-se não só recomendável como essencial para evitar surpresas desagradáveis no momento do sinistro.

O futuro do seguro automóvel em Portugal dependerá da capacidade dos consumidores para exigirem mais e melhor. Num mercado cada vez mais competitivo, o poder está, em última análise, nas mãos de quem paga o prémio. A questão que se coloca é: teremos a sabedoria para o usar?

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