Num país onde o seguro automóvel é obrigatório, os portugueses desembolsam anualmente centenas de euros para proteger os seus veículos. Mas quantos realmente compreendem o que está por trás do valor que pagam? A verdade é que os prémios de seguro são calculados através de algoritmos complexos que vão muito além da idade do condutor ou da cilindrada do carro.
As seguradoras utilizam dados que muitos desconhecem: o código postal pode aumentar o prémio em 30%, não apenas pelo risco de furto, mas pela qualidade das estradas e até pela proximidade de escolas. Um estudo interno de uma grande seguradora revelou que os condutores que vivem em zonas com mais lombas pagam menos – a lógica? Redução natural da velocidade.
O histórico de pesquisas na internet tornou-se um fator silencioso. Alguém que pesquise frequentemente por 'acidentes de viação' ou 'multas de trânsito' pode ser classificado como de maior risco, mesmo sem qualquer incidente registado. Esta vigilância digital é legal, mas raramente mencionada nas apólices.
Os chamados 'seguros telematizados', que monitorizam a condução através de aplicações, prometem descontos mas recolhem dados valiosíssimos: trajetos habituais, horas de maior circulação, até o estilo de travagem. Esta informação é depois utilizada para calibrar os modelos de risco de toda a população, criando um ciclo de autoperpetuação onde os dados dos poucos definem o preço para todos.
A idade do veículo é outro fator distorcido. Um carro com 15 anos pode ter um prémio mais baixo pelo valor comercial reduzido, mas as seguradoras sabem que a probabilidade de avarias graves – e custosas – aumenta exponencialmente após a década de uso. O que parece um desconto é, na verdade, uma transferência de risco: em caso de acidente grave, a seguradora paga pouco, mas o condutor fica sem transporte.
As franquias escondem outra armadilha psicológica. Ao optar por uma franquia mais alta para baixar o prémio mensal, muitos condutores não calculam o risco real: pequenos acidentes abaixo do valor da franquia saem do próprio bolso, enquanto a seguradora poupa em processos administrativos. É um jogo onde a casa ganha sempre.
As coberturas adicionais são território fértil para confusão. 'Assistência em viagem' soa essencial, mas muitas apólices básicas já incluem reboque até 50km. 'Vidros' parece indispensável, mas o custo do vidro dianteiro de muitos carros modernos com sensores de chuva e luz pode ultrapassar os 1000 euros – valor que justifica a cobertura extra, mas que raramente é explicado com clareza.
O mercado de seguros usados está a crescer silenciosamente. Cada vez mais portugueses compram apólices de terceiros quando adquirem carros em segunda mão, um negócio que movimenta milhões sem regulação específica. O risco? Coberturas que não cobrem o que prometem, com cláusulas obscuras que só são descobertas na hora do sinistro.
A revolução elétrica trouxe novos desafios. Um Tesla tem um prémio 40% superior a um carro equivalente a combustão, não apenas pelo valor, mas pela complexidade das reparações. As baterias, que representam um terço do custo do veículo, exigem técnicos especializados e peças que demoram semanas a chegar. Segurar o futuro tem um preço que poucos antecipam.
A verdadeira mudança pode estar na transparência. Na União Europeia, discute-se a criação de um 'direito à explicação' para algoritmos de seguro. Imagine receber não apenas o prémio, mas um relatório detalhado: 'o seu código postal acrescentou 85 euros, a sua profissão reduziu 30, o modelo do seu carro aumentou 120'. Esta visibilidade forçaria as seguradoras a justificar cada cêntimo, transformando um mercado opaco num espaço de escolha informada.
Enquanto isso, o consumidor tem uma arma poderosa: a comparação. Mas comparar não significa apenas preços – é necessário esmiuçar coberturas, ler as letras pequenas das exclusões, questionar os fatores de risco. O seguro mais barato pode sair caríssimo quando mais se precisa dele. Num mundo de riscos calculados, a melhor proteção começa pela compreensão.
Seguro automóvel: o que as seguradoras não contam sobre os seus prémios