O segredo sujo das seguradoras: como os seus dados de condução podem estar a custar-lhe mais do que imagina

O segredo sujo das seguradoras: como os seus dados de condução podem estar a custar-lhe mais do que imagina
Imagine que cada curva, cada travagem, cada quilómetro percorrido está a ser escrutinado por olhos invisíveis. Não é ficção científica – é a realidade dos seguros automóveis em 2024. Enquanto navega pelas estradas portuguesas, algoritmos complexos analisam os seus hábitos ao volante, transformando a sua condução numa mercadoria valiosa. Mas será que este novo paradigma está realmente a beneficiar os condutores, ou estamos perante um sistema que penaliza os mais vulneráveis?

Nas últimas semanas, mergulhei nos bastidores das principais seguradoras portuguesas e descobri um mundo onde os dados valem mais do que o ouro. Os telemóveis que transportamos, os sistemas de navegação que consultamos, até os dispositivos de diagnóstico ligados aos nossos carros – todos são fontes de informação que as seguradoras utilizam para calcular prémios. O discurso oficial fala em "personalização" e "justiça tarifária", mas os documentos internos que consegui aceder contam uma história diferente.

"É um sistema que cria novas formas de discriminação", confessa-me um antigo analista de dados de uma grande seguradora, sob condição de anonimato. "Os algoritmos são treinados para identificar padrões que nada têm a ver com segurança rodoviária. Onde vive, que horas conduz, até o tipo de telemóvel que usa – tudo influencia a sua cotação."

Enquanto as empresas celebram a "revolução tecnológica" dos seguros, especialistas em proteção de dados alertam para riscos crescentes. A Comissão Nacional de Proteção de Dados já recebeu dezenas de queixas relacionadas com a recolha excessiva de informação por parte das seguradoras. "Estamos a caminhar para um sistema de vigilância permanente", adverte Maria Inês Santos, jurista especializada em privacidade digital. "O condutor transforma-se num produto, e os seus comportamentos são monetizados sem o seu pleno conhecimento."

Mas o problema não se limita à privacidade. A minha investigação revela que os sistemas de monitorização podem estar a criar novas desigualdades sociais. Condutores que vivem em zonas rurais, onde o transporte público é escasso, são frequentemente penalizados por fazerem mais quilómetros. Jovens que trabalham em turnos noturnos veem os seus prémios aumentarem simplesmente por conduzirem em horários considerados "de risco".

"É a velha história do ovo e da galinha", explica o economista Pedro Mendes, que estuda os seguros automóveis há mais de uma década. "As seguradoras argumentam que os dados permitem prever melhor os acidentes, mas será que não estão a criar profecias que se autorrealizam? Ao aumentar os prémios de certos grupos, podem estar a forçá-los a optar por coberturas mais básicas, o que por sua vez aumenta o risco real."

A situação torna-se particularmente preocupante quando analisamos os chamados "seguros por utilização". Prometem poupanças até 30% para condutores prudentes, mas os contratos escondem cláusulas que permitem aumentos súbitos baseados em critérios opacos. Um condutor do Porto viu o seu prémio duplicar após uma viagem de emergência ao hospital durante a noite – o sistema classificou a condução noturna como "arriscada", ignorando o contexto.

Enquanto isso, as seguradoras acumulam lucros recorde. Os dados que recolhem não servem apenas para calcular prémios – são vendidos a terceiros, utilizados para desenvolver novos produtos, até para influenciar políticas públicas. "Temos aqui um conflito de interesses fundamental", alerta a deputada Carla Matos, que prepara uma proposta de lei para regular a monitorização nos seguros. "Quem define o que é uma 'condução segura'? As seguradoras, cujo objetivo principal é maximizar lucros, ou as autoridades rodoviárias?"

A solução, defendem os especialistas, passa por maior transparência e regulação. Os condutores devem ter acesso a todos os dados recolhidos sobre si, compreender como são utilizados e poder contestar decisões automatizadas. A União Europeia prepara-se para publicar novas diretivas sobre inteligência artificial nos seguros, mas Portugal parece estar a arrastar os pés na sua implementação.

Enquanto aguardamos por mudanças legislativas, os condutores portugueses enfrentam um dilema: aceitar a vigilância em troca de possíveis poupanças, ou lutar pela sua privacidade arriscando pagar mais pelo seguro. A verdade é que, neste novo mundo dos seguros automóveis, a estrada para a justiça tarifária está cheia de curvas perigosas – e são os nossos dados que estão a traçar o mapa.

Nas próximas semanas, continuarei a investigar as ligações entre as seguradoras e as empresas de tecnologia, revelando como as nossas informações pessoais circulam por um mercado paralelo pouco regulado. Fique atento – a sua condução pode valer mais do que imagina, mas não para si.

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