Há um jogo silencioso a acontecer todos os dias nas salas de reuniões das seguradoras portuguesas. Enquanto os portugueses se preocupam com o preço do pão e da gasolina, há uma máquina invisível a calcular quanto cada um de nós vale para as seguradoras. Não é apenas sobre a tua idade ou o teu histórico de acidentes. É sobre onde vives, que carro conduzes, até mesmo sobre os teus hábitos de compra online.
Os dados são a nova moeda neste mercado, e as seguradoras estão a recolhê-los de formas que poucos imaginam. Aquele telemóvel que levas sempre contigo? Pode estar a contar quantas vezes travás bruscamente. A app do banco que instalaste? Pode estar a analisar os teus padrões de gastos. Tudo isto alimenta algoritmos complexos que determinam se és um "bom risco" ou um "cliente problemático".
Mas há um lado mais sombrio nesta história. Investigámos durante meses e descobrimos que estes sistemas podem estar a discriminar pessoas com base em fatores que nada têm a ver com a sua capacidade de condução. Bairros inteiros estão a ser penalizados porque os algoritmos identificaram padrões de sinistralidade que, muitas vezes, refletem problemas de infraestrutura urbana, não de má condução.
A verdade é que poucos portugueses sabem que têm direito a aceder aos dados que as seguradoras têm sobre eles. Ainda menos sabem que podem contestar as decisões tomadas por estes sistemas automatizados. Enquanto isso, as empresas seguradoras acumulam lucros recorde, justificando aumentos de prémios com a "evolução do risco", sem nunca revelar completamente como esses riscos são calculados.
O que encontramos ao analisar milhares de reclamações no Livro de Reclamações Online foi perturbador. Casos de pessoas com décadas de condução sem acidentes que viram os seus prémios duplicar de um ano para o outro. Jovens condutores penalizados não por terem tido acidentes, mas por viverem em certos códigos postais. Reformados que viram os seus descontos por bons condutores desaparecerem sem explicação.
As seguradoras defendem-se argumentando que estes sistemas permitem preços mais justos e personalizados. "Cada cliente paga pelo seu risco real", dizem os porta-vozes. Mas quando perguntamos como é determinado esse "risco real", as respostas tornam-se vagas. "São algoritmos proprietários", "informação comercial sensível", "não podemos revelar os detalhes técnicos".
Enquanto a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tenta acompanhar esta revolução tecnológica, as empresas estão anos-luz à frente. Os reguladores admitem, em off, que não têm capacidade técnica para auditar adequadamente estes sistemas complexos. Resultado? Um mercado onde os consumidores estão cada vez mais à mercê de caixas negras algorítmicas.
Mas há esperança. Na União Europeia, está em discussão uma diretiva que pode obrigar as seguradoras a explicarem como os seus algoritmos tomam decisões. Enquanto isso, alguns consumidores estão a aprender a jogar o jogo. Pedem os seus dados, contestam as avaliações de risco, negociam com conhecimento. E, em alguns casos, conseguem reduzir significativamente os seus prémios.
O futuro dos seguros auto em Portugal está a ser escrito em código. A questão é: quem controla esse código controla o mercado. E enquanto os consumidores não entenderem as regras deste novo jogo, continuarão a pagar o preço mais alto.
O segredo sujo das seguradoras: como os algoritmos decidem quanto pagas pelo teu seguro auto