Nas ruas portuguesas, circulam mais de seis milhões de veículos, cada um com um seguro obrigatório. Mas quantos condutores realmente compreendem o que está escrito nas letras pequenas da sua apólice? A verdade é que o mercado de seguros automóvel está repleto de mitos, estratégias de marketing enganosas e cláusulas obscuras que podem custar centenas de euros aos portugueses mais desatentos.
Durante meses, mergulhámos nos dados da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, analisámos milhares de reclamações e entrevistámos especialistas, seguradores e, mais importante, consumidores que foram surpreendidos quando mais precisavam da sua cobertura. O que descobrimos vai mudar a forma como olha para o seu seguro automóvel.
A primeira grande ilusão começa com os preços anunciados. As campanhas publicitárias mostram valores tentadores, mas raramente mencionam que esses preços aplicam-se apenas a perfis específicos: condutores experientes, com carros novos, garagem privada e histórico impecável. Para o condutor comum, o preço real pode ser 40% a 60% superior ao anunciado. Esta prática, embora legal, cria expectativas irreais e leva muitos a escolherem seguradoras baseando-se em números fictícios.
Outra armadilha bem escondida reside nas franquias. Muitos condutores optam por franquias mais elevadas para reduzir o prémio mensal, sem compreender completamente as implicações. Em caso de acidente, descobrem que têm de pagar centenas ou mesmo milhares de euros do próprio bolso antes que a seguradora intervenha. O que pouparam em prémios pode ser gasto numa única ocorrência, anulando anos de "poupança".
As exclusões de cobertura constituem o terceiro grande problema. Condições meteorológicas extremas, utilização profissional não declarada, transporte de mercadorias perigosas ou mesmo a condução em certas estradas não pavimentadas podem ser motivos para a seguradora recusar o pagamento. Muitos condutores só descobrem estas exclusões quando apresentam uma reclamação, altura em que já é tarde demais.
A digitalização trouxe novas complexidades. Os seguros baseados em telemetria, que monitorizam o estilo de condução através de aplicações ou dispositivos, prometem descontos significativos. No entanto, poucos consumidores percebem que estes sistemas recolhem dados muito além da velocidade e aceleração: monitorizam horários de condução, trajetos habituais e até padrões de travagem. Estes dados podem ser utilizados não apenas para calcular prémios, mas também para contestar reclamações futuras.
A verdadeira revolução, segundo os especialistas com quem conversámos, está na educação do consumidor. Em vez de escolher o seguro mais barato, os condutores devem procurar a cobertura mais adequada ao seu perfil real. Isto implica ler atentamente as condições gerais, questionar o mediador sobre pontos obscuros e, acima de tudo, compreender que um seguro não é apenas uma despesa obrigatória, mas um contrato de proteção que deve funcionar quando mais precisamos.
O mercado está a mudar. Novas seguradoras digitais oferecem processos mais transparentes, enquanto as tradicionais adaptam-se aos novos tempos. Mas a responsabilidade final continua a caber ao condutor. Conhecer os seus direitos, compreender as cláusulas do contrato e manter um diálogo aberto com a seguradora são as melhores formas de garantir que, em caso de necessidade, a proteção prometida se materialize realmente.
Nas próximas semanas, continuaremos a investigar este setor, focando-nos nas reclamações mais comuns e nas estratégias para negociar melhores condições. A informação é, afinal, a melhor cobertura que qualquer condutor pode ter.
O segredo que as seguradoras não querem que saibas sobre os seguros automóvel