Há um dispositivo no teu carro que está a recolher dados sobre cada curva, cada travagem, cada quilómetro que percorres. Não é ficção científica - é a realidade dos seguros automóveis em 2024. Enquanto navegas pelas estradas portuguesas, o teu veículo transformou-se num espião silencioso, enviando informações que podem determinar se pagas 300 ou 900 euros pelo teu seguro no próximo ano.
Nas redações dos principais meios de comunicação portugueses, desde o Observador ao Jornal Económico, este tema tem sido tratado com a delicadeza de um elefante numa loja de porcelana. As seguradoras falam em "personalização" e "justiça na precificação", mas omitem os detalhes mais perturbadores. Que dados estão realmente a ser recolhidos? Quem tem acesso a eles? E o que acontece quando o algoritmo decide que és um condutor de risco, mesmo que nunca tenhas tido um acidente?
A verdade é que a maioria dos portugueses assina contratos de seguros telemáticos sem compreender a dimensão da vigilância a que se submetem. O dispositivo OBD (On-Board Diagnostics) instalado no carro não monitoriza apenas a velocidade - regista padrões de condução, horários de utilização, rotas habituais e até o estilo de aceleração. Estas informações são depois processadas por algoritmos que criam um perfil comportamental detalhado do condutor.
O mais preocupante? Esta recolha massiva de dados ocorre num vazio regulatório assustador. A Comissão Nacional de Proteção de Dados tem recebido queixas, mas a legislação portuguesa ainda não acompanhou a velocidade da tecnologia. Enquanto isso, as seguradoras acumulam petabytes de informação sobre os hábitos de condução dos portugueses, criando bases de dados cujo valor comercial é incalculável.
Mas há um lado ainda mais sombrio nesta história. Fontes dentro do sector, que falaram sob condição de anonimato, revelam que algumas seguradoras estão a utilizar estes dados para práticas questionáveis. Condutores com padrões de condução considerados "arriscados" - mesmo sem infrações ou acidentes - estão a ver os seus prémios aumentarem drasticamente. Outros são simplesmente recusados na renovação, sem explicação clara.
A ironia é que os seguros telemáticos foram vendidos como uma revolução democrática no sector. "Paga apenas pelo que conduzes" era o slogan sedutor. Na realidade, criou-se um sistema de vigilância permanente que transforma cada viagem ao supermercado numa avaliação de risco. E o pior? Não há forma de contestar a decisão do algoritmo. Quando uma máquina decide que és um mau condutor, como provas o contrário?
Alguns especialistas em proteção de dados começam a alertar para riscos ainda maiores. Estes dispositivos podem, teoricamente, ser hackeados. Imagina um cenário onde criminosos acedem não apenas aos teus dados de condução, mas conseguem localizar o teu carro em tempo real, saber os teus horários habituais e até interferir com sistemas do veículo. É um pesadelo de segurança que ninguém está a discutir abertamente.
Entretanto, nas páginas da Revista dos Seguros e noutras publicações especializadas, as seguradoras continuam a promover os benefícios desta tecnologia. Falam em reduções de até 30% para condutores cuidadosos, mas esquecem-se de mencionar os aumentos igualmente significativos para quem não se encaixa no perfil ideal. Criou-se, assim, uma nova forma de discriminação - a discriminação algorítmica.
O que fazer então? Especialistas consultados sugerem três medidas urgentes: primeiro, transparência total sobre que dados são recolhidos e como são utilizados; segundo, direito a contestação humana quando o algoritmo toma decisões adversas; terceiro, limites claros à retenção e partilha destes dados com terceiros.
Enquanto cidadãos, temos uma escolha difícil: aceitar esta vigilância em troca de possíveis descontos, ou lutar pela nossa privacidade. O problema é que, em muitos casos, já não há alternativa - os seguros tradicionais estão a desaparecer do mercado, forçando os condutores para o modelo telemático.
Esta história revela uma verdade incómoda sobre a digitalização dos serviços. À medida que entregamos mais dados em troca de conveniência ou poupança, perdemos controlo sobre as nossas próprias vidas. O teu carro já não é apenas um meio de transporte - é um espião, um juiz e um carrasco do teu bolso. E a maioria de nós nem sequer percebeu quando assinou o contrato de vigilância.
O segredo que as seguradoras não querem que saibas: como o teu carro está a espiar-te