Num cruzamento entre a Avenida da Liberdade e a Rua do Salitre, em Lisboa, um Tesla Model 3 embate num Renault Clio. O acidente é banal, mas o que se segue não é. Enquanto os condutores trocam dados, os sistemas dos veículos já estão a comunicar com as seguradoras, a partilhar velocidade, ângulo de colisão e até o estado da bateria. Bem-vindos ao novo mundo dos seguros automóvel, onde os dados valem mais do que as apólices.
Há uma revolução silenciosa a acontecer nas seguradoras portuguesas. Se pensa que o seu seguro automóvel serve apenas para pagar danos em caso de acidente, está a olhar para o passado. As companhias estão a transformar-se em empresas de tecnologia que, por acaso, vendem seguros. O telemóvel tornou-se a nova apólice, e os quilómetros que percorre são moeda de troca para prémios mais baixos.
O conceito de 'pay-how-you-drive' já não é ficção científica. Seguradoras como a Allianz e a Fidelidade estão a testar programas que monitorizam a condução através de aplicações. Travagens bruscas, acelerações agressivas, horas do dia em que circula – tudo conta. Quem conduz como uma avozinha de domingo pode ver o prémio descer até 30%. Quem tem o pé pesado paga a factura. É a meritocracia aplicada aos seguros.
Mas há um lado sombrio nesta recolha de dados. O que acontece à sua privacidade quando a seguradora sabe que costuma passar pelo mesmo café todas as manhãs às 7h15? Ou que na sexta-feira à noite costuma ir a um determinado restaurante? As empresas garantem anonimização dos dados, mas especialistas em cibersegurança alertam: onde há informação valiosa, há sempre alguém a tentar roubá-la.
Enquanto isso, os carros elétricos estão a virar do avesso o mercado. Um estudo recente da Deco Proteste revela que os seguros para veículos elétricos são, em média, 15% mais caros do que para os equivalentes a combustão. O argumento? As baterias são caríssimas de reparar e os mecânicos especializados ainda são poucos. Mas há quem diga que é apenas uma desculpa para manter os prémios altos numa altura em que os sinistros estão a diminuir.
Falando em sinistros, sabia que os portugueses estão a ter menos acidentes? Os dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária mostram uma queda de 12% nos acidentes com vítimas nos últimos três anos. Melhores estradas, carros mais seguros e talvez um pouco mais de cuidado ao volante explicam a tendência. No entanto, os prémios dos seguros não acompanharam esta descida na mesma proporção. Porquê? As seguradoras argumentam com o aumento do custo das peças e da mão-de-obra, mas os consumidores começam a desconfiar.
O verdadeiro terramoto, porém, está a chegar com os carros autónomos. Quando um veículo se conduz sozinho, de quem é a culpa num acidente? Do proprietário? Do fabricante? Do programador do software? As seguradoras estão a perder o sono com esta questão. Algumas já estão a criar produtos específicos para veículos autónomos, onde a responsabilidade é partilhada entre múltiplas partes. É um campo minado jurídico que vai dar muito que falar nos próximos anos.
Para o condutor comum, porém, a grande mudança está na forma como compra o seguro. As comparações online já representam mais de 40% das novas apólices em Portugal. Sites como o ComparaJá.pt e o Doutor Finanças tornaram o processo transparente – talvez demasiado. As seguradoras queixam-se de que se transformaram em commodities, onde o preço é o único factor que importa. A resposta? Serviços de valor acrescentado: assistência em viagem 24/7, carro de substituição imediato, reparação em casa.
No meio desta transformação digital, há um elemento que permanece surpreendentemente analógico: a relação com o mediador de seguros. Apesar de todas as previsões de que a internet iria matar esta profissão, os mediadores resistem. Porquê? Porque um acidente de carro é um momento de stress onde um rosto humano ainda vale mais do que uma aplicação reluzente. As seguradoras mais inteligentes perceberam isto e estão a investir na formação dos seus mediadores, transformando-os em verdadeiros consultores de mobilidade.
O futuro? Seguros por quilómetro para quem usa o carro pouco, seguros partilhados para famílias com vários veículos, e talvez o mais radical: seguros incluídos no preço do carro novo, como já acontece com alguns modelos da Tesla nos Estados Unidos. Em Portugal, a Fidelidade fez uma experiência piloto com a BMW, oferecendo seguro incluído na compra do veículo. O resultado? Os clientes adoraram a simplicidade.
Enquanto escrevo estas linhas, recebo uma notificação no telemóvel: a minha seguradora oferece-me 5% de desconto se aceitar partilhar os meus dados de condução dos próximos três meses. Hesito por um momento, pensando na minha privacidade. Depois, lembro-me da última factura do seguro. Clico em 'aceitar'. A revolução, afinal, também se compra a prestações.
O labirinto dos seguros automóvel: como as seguradoras estão a reinventar-se na era da mobilidade