Num consultório veterinário de Lisboa, uma cadela labrador chamada Luna espera por uma cirurgia de urgência. O dono, Pedro, acredita que o seguro de saúde animal que paga religiosamente há três anos cobrirá os 2.500 euros da intervenção. Até que recebe a notificação: 'Procedimento não coberto pela apólice'. Esta cena repete-se diariamente em Portugal, onde os seguros para animais de estimação crescem 15% ao ano, mas as reclamações aumentam ainda mais rápido.
A investigação revela que as exclusões contratuais constituem o verdadeiro labirinto onde se perdem os direitos dos donos. 'Condições pré-existentes' tornou-se a expressão mais temida pelos tutores. Maria, dona de um gato siamês, descobriu que a diabetes diagnosticada seis meses após a contratação foi considerada 'pré-existente' porque o animal 'mostrava sede excessiva nas primeiras semanas'. Um veterinário que pediu anonimato confessa: 'As seguradoras contratam especialistas para encontrar justificativas técnicas que lhes permitam recusar coberturas'.
Os limites de idade funcionam como outra barreira invisível. Cães acima de oito anos e gatos acima de dez enfrentam restrições progressivas até à exclusão total. O que poucos sabem é que algumas raças são penalizadas desde o primeiro ano de vida. Bulldogs, pastores alemães e são-bernardos têm prémios até 40% mais altos e coberturas reduzidas, baseando-se em 'estatísticas de predisposição racial' que os veterinários consideram questionáveis.
As cláusulas de 'cuidados preventivos' escondem armadilhas subtis. Vacinas anuais são cobertas, mas os exames de sangue que determinam a necessidade real dessas vacinas frequentemente não são. A castração aparece nos pacotes básicos, mas as complicações pós-operatórias raramente se incluem. 'É como comprar um seguro de carro que cobre o motor mas não os travões', compara um dono frustrado.
A moda dos animais exóticos criou um novo campo minado. Ouriços, furões e até galinhas de estimação encontram-se num limbo contratual. As apólices adaptadas de cães e gatos não consideram as particularidades fisiológicas destas espécies. Um criador de répteis desabafa: 'Quando a minha iguana precisou de cirurgia, disseram-me que o seguro só cobria 'mamíferos domésticos tradicionais''.
As franquias merecem capítulo à parte. O valor fixo anual parece atrativo até se perceber que se aplica por incidente, não por ano. Um cão com alergia sazonal que precise de três consultas em meses diferentes pagará três franquias. Os valores variam entre 50 e 150 euros, mas o mais preocupante são as franquias percentuais: 20% do custo total significa que uma quimioterapia de 5.000 euros custará 1.000 euros ao dono.
Os períodos de carência transformam-se em autênticas corridas contra o relógio. Os trinta dias padrão para doenças comuns estendem-se para doze meses em condições como displasia da anca ou problemas cardíacos. O que nenhum contrato menciona claramente é que, se o animal mostrar qualquer sintoma durante a carência, mesmo que não diagnosticado, a condição pode ser considerada 'pré-existente' indefinidamente.
As seguradoras desenvolveram técnicas sofisticadas de análise de risco. Algumas exigem vídeos do animal a correr e saltar antes da contratação. Outras analisam o histórico de pesquisas do dono no Google. 'Se pesquisou 'vómitos em gatos' seis meses antes do seguro, isso pode ser usado para negar cobertura gastrointestinal', revela um ex-funcionário do setor.
As alternativas começam a surgir de forma criativa. Clínicas veterinárias oferecem planos de saúde próprios, mais limitados mas mais transparentes. Associações de raças criaram fundos mútuos de solidariedade. E a pressão social força mudanças: após campanha nas redes sociais, uma seguradora reviu a exclusão de tratamentos dentários para cães idosos.
O futuro poderá passar pela regulação específica. Enquanto em alguns países europeus as apólices seguem padrões mínimos definidos por lei, em Portugal cada empresa cria seu universo de exclusões. Projetos de lei sobre direitos dos animais começam a incluir capítulos sobre seguros, mas avançam a passo de tartaruga legislativa.
A solução imediata está na leitura microscópica dos contratos. Pedir esclarecimentos por escrito sobre cada exclusão. Manter um histórico veterinário detalhado desde a primeira consulta. E, sobretudo, perceber que o seguro mais barato costuma ser o mais caro quando chega a hora da verdade. Como diz um advogado especializado: 'Não estão a segurar a saúde do animal, estão a segurar-se contra a falência. São produtos fundamentalmente diferentes'.
Enquanto isso, Luna recupera da cirurgia paga pelo dono com um empréstimo pessoal. Pedro cancelou o seguro e junta-se agora a um grupo de donos que pressiona por transparência. A sua nova batalha: que os contratos incluam uma lista simples de 'o que não cobrimos' em letras grandes, antes da assinatura. Parece pouco, mas seria uma revolução num setor que prospera na complexidade.
O segredo dos seguros de animais: o que as seguradoras não contam sobre as exclusões