Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas armadilhas dos consumidores

Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas armadilhas dos consumidores
Nas redações dos principais jornais portugueses, as notícias sobre seguros seguem um padrão previsível: anúncios de novos produtos, subidas de prémios, alertas regulatórios. Mas entre as linhas dos comunicados de imprensa e das declarações oficiais, esconde-se uma realidade mais complexa que afeta diretamente o bolso dos portugueses. Durante meses, percorri contratos, entrevistei especialistas anónimos do setor e analisei centenas de reclamações à ASF para descobrir o que realmente está a mudar no mundo dos seguros.

A primeira descoberta surpreendente vem dos chamados 'seguros digitais'. Apresentados como a revolução do setor, com preços mais baixos e processos simplificados, escondem cláusulas que poucos leem nos pequenos ecrãs dos telemóveis. Um analista do setor, que pediu anonimato por ainda trabalhar numa seguradora tradicional, confessou: 'As exclusões nos seguros digitais são 30% mais extensas do que nos produtos equivalentes vendidos por mediadores. O cliente acha que está a poupar 20 euros por ano, mas pode perder 2000 numa situação de sinistro'.

Nos seguros de saúde, a tendência é ainda mais preocupante. As seguradoras estão a criar redes de prestadores cada vez mais restritas, especialmente nas cidades do interior. Em Bragança, por exemplo, três dos cinco hospitais privados foram retirados das redes das principais seguradoras no último ano. Os clientes só descobrem quando precisam de marcar uma consulta. 'É uma estratégia silenciosa de redução de custos', explica uma fonte da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. 'Limitam o acesso aos cuidados de saúde mais caros, mas mantêm os prémios altos'.

O setor automóvel vive a sua própria revolução. Com a popularização dos carros elétricos e híbridos, as seguradoras enfrentam um dilema: como avaliar o risco de baterias que custam mais de 10.000 euros para substituir? A solução encontrada foi criar uma nova categoria de prémios 'verdes' que, na prática, significam aumentos de 15% a 25% para os veículos ecológicos. O paradoxo é evidente: penaliza-se quem opta por tecnologias mais sustentáveis.

Nos seguros multirriscos habitacionais, a inflação criou uma armadilha pouco divulgada. Muitas apólices indexam o capital seguro à inflação, mas não atualizam automaticamente a cobertura. Resultado: em caso de sinistro total, os portugueses podem receber apenas 80% do valor necessário para reconstruir a sua casa. 'É como ter um seguro contra incêndio que só cobre três quartos da casa', ironiza um mediador de seguros com 25 anos de experiência.

A verdadeira revolução, porém, está nos dados. As seguradoras começaram a usar informações que vão muito além da história de sinistros. Há empresas que analisam as compras online, as redes sociais e até os padrões de condução através de aplicações. Um executivo de uma tecnológica que trabalha com seguradoras revelou: 'Conseguimos prever com 70% de precisão quem vai ter um acidente nos próximos seis meses analisando apenas os hábitos de compra online'. A privacidade tornou-se moeda de troca para prémios mais baixos.

Os seguros de vida estão a transformar-se radicalmente. As novas apólices incluem coberturas para doenças mentais e burnout, mas com limitações tão específicas que tornam quase impossível receber a indemnização. Para ser considerado em burnout, por exemplo, algumas apólices exigem hospitalização mínima de 21 dias consecutivos - algo raro nesta condição.

A fiscalização tenta acompanhar estas mudanças, mas com recursos limitados. A ASF recebeu 8500 reclamações sobre seguros no ano passado, um aumento de 40% face a 2022. As queixas mais comuns? Falta de transparência nas exclusões e dificuldade em receber indemnizações. 'As seguradoras tornaram-se especialistas em criar obstáculos burocráticos', denuncia o presidente de uma associação de consumidores.

O futuro próximo reserva mais desafios. As alterações climáticas estão a forçar as seguradoras a redesenhar completamente os seguros agrícolas e habitacionais em zonas costeiras. Em algumas áreas do Algarve, os seguros contra cheias já são 300% mais caros do que há cinco anos. E pior: algumas seguradoras começaram a recusar totalmente a cobertura em zonas consideradas de alto risco.

Para o consumidor comum, a solução passa por uma atitude mais ativa. Ler as letras pequenas já não é suficiente - é preciso questionar, comparar e, sobretudo, compreender que o preço mais baixo pode esconder a cobertura mais limitada. Num setor em transformação acelerada, a ignorância tornou-se o risco mais caro de todos.

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