Nas redações dos principais jornais portugueses, desde o Jornal de Negócios ao Observador, passando pelo Expresso e pelo Dinheiro Vivo, um tema começa a ganhar contornos de urgência silenciosa: o setor dos seguros está a ser confrontado com desafios para os quais muitas das apólices tradicionais não estão preparadas. Não se trata apenas de subir prémios ou de ajustar coberturas. Estamos perante uma transformação profunda, impulsionada por ciberataques sofisticados, por eventos climáticos extremos e por uma mudança radical nos hábitos de trabalho e consumo. A pergunta que se coloca é simples e perturbadora: estarão as seguradoras e, sobretudo, os segurados, realmente protegidos?
Enquanto os media noticiam os grandes incêndios ou as falhas de segurança em empresas, poucos fazem a ligação direta ao mundo dos seguros. No entanto, é precisamente aí que reside o cerne da questão. Um ciberataque a uma pequena ou média empresa pode significar não só a perda de dados, mas meses de paralisia e custos de recuperação astronómicos. Muitas das apólices de responsabilidade civil tradicionais têm coberturas digitais limitadas ou inexistentes para este tipo de cenários. Os prejuízos, nesses casos, recaem diretamente sobre os empresários.
Por outro lado, a intensificação de fenómenos climáticos, como as cheias rápidas ou os períodos de seca prolongada, está a redefinir o conceito de 'catástrofe natural'. Uma habitação que nunca teve problemas com infiltrações pode, de um dia para o outro, ficar com a cave inundada devido a uma precipitação intensa e localizada. As seguradoras estão a recalcular riscos a uma velocidade estonteante, e as exclusões nas apólices multirriscos habitacionais estão a tornar-se mais frequentes e específicas. O que antes era considerado um evento coberto, pode hoje ser classificado como 'risco não segurável' em certas zonas do país.
A pandemia veio acrescentar outra camada de complexidade. O teletrabalho massificado levantou questões inéditas sobre a cobertura de acidentes de trabalho em casa, sobre a proteção dos equipamentos pessoais usados para fins profissionais e até sobre a responsabilidade civil de um trabalhador que, a partir da sua sala, causa um prejuízo à empresa. As apólices pessoais e profissionais estão numa zona cinzenta que está longe de estar totalmente esclarecida, deixando muitos profissionais em situação de vulnerabilidade.
Mas nem tudo são más notícias. A própria tecnologia que cria ameaças está a gerar soluções. As insurtechs – startups focadas em seguros – estão a ganhar terreno em Portugal, oferecendo produtos mais flexíveis, personalizados e, muitas vezes, mais baratos. Desde seguros de telemóvel por subscrição mensal a apólices para alugueres de curta duração ou para equipamentos específicos, a oferta está a diversificar-se. A grande questão é saber se esta inovação conseguirá acompanhar a velocidade das novas ameaças.
Para o consumidor comum, a mensagem é clara: a época em que se subscrevia um seguro e se esquecia a apólice numa gaveta até ao sinistro acabou. Ler as letras pequenas, perceber as exclusões e, sobretudo, dialogar com o mediador ou a seguradora para ajustar a cobertura à realidade atual é fundamental. A proteção que servia para a realidade de 2019 pode ser completamente inadequada para os riscos de 2024.
O futuro dos seguros em Portugal passará, inevitavelmente, por uma maior transparência, por uma educação financeira mais robusta dos consumidores e por uma regulação ágil que não estrangule a inovação, mas que garanta a solvência do setor perante choques sistémicos. Enquanto isso não acontece, cabe a cada um de nós fazer a nossa própria investigação. O preço da ignorância, neste novo mundo de riscos emaranhados, pode ser demasiado alto. A próxima vez que vir uma notícia sobre um ciberataque ou uma tempestade atípica, não pense apenas no drama imediato. Pense na sua apólice. Ela pode não estar a ver a mesma coisa que você.
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas ameaças digitais e ambientais