Num país onde o sol brilha 300 dias por ano e o risco de sismo é real, os portugueses continuam a subestimar a importância de uma proteção financeira robusta. As últimas estatísticas do setor segurador revelam que apenas 35% das famílias possuem seguro de vida, enquanto os seguros multirriscos habitacionais cobrem menos de 60% dos lares. Estes números escondem histórias de famílias que perderam tudo porque confiaram que 'isso não vai acontecer connosco'.
A verdade é que as apólices tradicionais estão desatualizadas face aos novos riscos do século XXI. As alterações climáticas trouxeram fenómenos meteorológicos extremos que as coberturas standard não contemplam na totalidade. As cheias rápidas, cada vez mais frequentes no norte do país, ou os incêndios florestais que devastam o interior, mostram as lacunas das proteções básicas.
Os ciber-riscos representam outra fronteira subsegurada. Com o teletrabalho a tornar-se norma, quantas empresas portuguesas têm cobertura para ataques informáticos que podem paralisar operações durante dias? E os seguros de responsabilidade civil para influencers e criadores de conteúdo, uma classe profissional em crescimento exponencial?
O mercado segurador português está numa encruzilhada tecnológica. As insurtechs nacionais prometem revolucionar o sector através de inteligência artificial e big data, mas esbarram na regulamentação antiquada e na resistência cultural à mudança. Enquanto isso, os gigantes tradicionais adaptam-se lentamente, testando modelos de prémios dinâmicos baseados em comportamento real dos segurados.
A digitalização traz oportunidades mas também novos perigos. Os seguros parametricos, que pagam automaticamente quando certos parâmetros são atingidos (como velocidade do vento ou intensidade sísmica), poderiam ser a solução para respostas mais rápidas em catástrofes naturais. No entanto, a sua implementação em Portugal ainda é incipiente.
Para os consumidores, navegar neste emaranhado de opções torna-se cada vez mais complexo. A literacia financeira em seguros continua baixa, e muitos acabam por contratar produtos inadequados ou com coberturas redundantes. Os mediadores de seguros enfrentam o desafio de educar os clientes enquanto competem com plataformas online que prometem soluções em três cliques.
Os seguros de saúde merecem capítulo à parte. Com o SNS sob pressão, cada vez mais portugueses procuram seguros de saúde privados. Mas as exclusões por condições pré-existentes e os períodos de carência tornam estes produtos inacessíveis para quem mais precisa. Será que o modelo atual serve realmente a população ou apenas os mais saudáveis?
No segmento automóvel, a telemetria chegou para ficar. Os apólices pay-how-you-drive baseiam-se no comportamento real ao volante, premiando a condução segura com descontos significativos. Esta inovação poderia reduzir sinistralidade, mas levanta questões sobre privacidade e discriminação algorítmica.
O futuro dos seguros em Portugal passará inevitavelmente pela personalização extrema. Já existem experiências com seguros sob medida para profissões específicas, desde agricultores a artistas, considerando os riscos únicos de cada atividade. Esta tendência contrasta com os produtos one-size-fits-all que dominaram o mercado durante décadas.
A sustentabilidade emerge como outro vector de transformação. Seguros que incentivam comportamentos ecológicos, descontos para edifícios com certificação energética ou coberturas especiais para energias renovais começam a aparecer no mercado. Esta é uma área onde Portugal poderia liderar, dada a sua aposta nas energias verdes.
Para os próximos anos, o grande desafio será equilibrar inovação com proteção ao consumidor. A ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) terá de acelerar a adaptação regulatória sem comprometer a estabilidade do sistema. Os consumidores, por sua vez, precisarão de ferramentas para comparar produtos cada vez mais complexos.
No final, a questão fundamental permanece: estamos a segurar o que realmente importa? Num mundo de riscos em constante evolução, a resposta exige reflexão profunda e ação concertada entre seguradoras, reguladores e sociedade civil.
Seguros em Portugal: o que falta nas apólices e como proteger o que realmente importa
