Num país onde o Serviço Nacional de Saúde enfrenta tempos conturbados, os seguros de saúde tornaram-se um refúgio para milhões de portugueses. Mas por detrás das apólices aparentemente protectoras escondem-se cláusulas que deixariam qualquer um de cabelos em pé.
A investigação conduzida ao longo de vários meses revela que as seguradoras utilizam estratégias subtis para limitar a cobertura em situações críticas. As exclusões por "condições pré-existentes" são a ponta do icebergue de um sistema desenhado para maximizar lucros e minimizar responsabilidades.
Os casos multiplicam-se: pacientes com cancro a quem é negado tratamento experimental, idosos com doenças degenerativas excluídos de coberturas essenciais, e jovens com condições psicológicas abandonados à sua sorte. As letras pequenas dos contratos transformam-se em barreiras intransponíveis quando mais se precisa delas.
As seguradoras argumentam que estas práticas são necessárias para manter a sustentabilidade do sistema. No entanto, os números contam outra história: em 2023, as principais seguradoras de saúde portuguesas registaram lucros superiores a 300 milhões de euros, enquanto as reclamações por coberturas negadas aumentaram 47%.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) recebeu no último ano mais de 1200 queixas relacionadas com seguros de saúde. A maioria centra-se na interpretação abusiva das cláusulas contratuais e na falta de transparência na comunicação das exclusões.
Os especialistas consultados para esta reportagem são unânimes: os consumidores assinam contratos sem compreender verdadeiramente o que estão a comprar. "As pessoas focam-se no prémio mensal e nas coberturas básicas, mas ignoram as páginas de excepções que determinam quando ficam realmente protegidas", explica Maria Santos, professora de Direito dos Seguros.
A tecnologia emerge como nova fronteira de exclusão. Algumas seguradoras começam a utilizar algoritmos de previsão de risco que identificam potenciais doentes crónicos através de hábitos de vida, criando perfis que podem levar à exclusão preventiva ou ao aumento brutal de prémios.
O panorama legislativo mostra-se insuficiente para travar estas práticas. A recente directiva europeia sobre seguros digitais ainda não foi totalmente transposta para a lei portuguesa, deixando lacunas que as seguradoras exploram com sofisticação crescente.
As soluções passam por maior literacia financeira dos consumidores, mas também por uma regulação mais assertiva. "Precisamos de contratos mais claros, com linguagem acessível e destaque obrigatório para as exclusões principais", defende o presidente da Associação Portuguesa de Direito do Seguro.
Enquanto isso, as famílias portuguesas continuam a pagar por uma falsa sensação de segurança. O desafio é encontrar o equilíbrio entre a sustentabilidade do sector e a protecção efectiva dos segurados – um equilíbrio que, actualmente, pende claramente para o lado errado.
A revolução pode estar a chegar através das insurtechs, startups que prometem transparência total e modelos baseados em blockchain. Mas será que estas novas players conseguirão desafiar os gigantes estabelecidos?
A resposta pode estar nas mãos dos consumidores, cada vez mais informados e exigentes. A era da aceitação cega dos contratos de seguro chegou ao fim, e as seguradoras que não se adaptarem enfrentarão tempos difíceis.
Seguros de saúde: o que as seguradoras não querem que saiba sobre as exclusões
