Num consultório médico em Lisboa, uma paciente de 52 anos segura duas apólices de seguro de saúde nas mãos trémulas. Uma cobre consultas de especialidade, mas exclui exames de diagnóstico. A outra paga exames, mas tem uma franquia que a obriga a desembolsar 200 euros antes de qualquer cobertura. Esta é a nova realidade dos seguros de saúde em Portugal: um puzzle de coberturas parciais, exclusões criativas e letra pequena que transforma a proteção num jogo de azar.
Nos últimos dois anos, as principais seguradoras nacionais lançaram mais de 15 novos produtos de saúde, cada um com uma combinação diferente de coberturas, exclusões e condições. A Allianz introduziu o "Saúde Flex", que permite aos clientes escolher entre três níveis de cobertura hospitalar. A Fidelidade criou o "Proteção Personalizada", onde o prémio mensal varia conforme a idade, hábitos de vida e até o código postal. A Médis revolucionou o mercado com seguros "pay-as-you-go" que cobrem apenas procedimentos específicos.
Esta fragmentação do mercado não é acidental. Um estudo interno da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões revela que 68% dos portugueses com seguros de saúde não compreendem completamente o que está coberto nas suas apólices. As seguradoras aproveitam esta confusão para criar produtos aparentemente mais baratos, mas que na prática transferem mais risco para o consumidor.
A verdadeira revolução está nos dados. As seguradoras estão a usar inteligência artificial para analisar milhões de registos médicos anonimizados, prevendo quais as doenças mais prováveis para cada perfil demográfico. Um executivo sénior de uma grande seguradora, que pediu anonimato, confessou: "Sabemos que um homem de 45 anos que vive no Porto e trabalha em escritório tem 73% de probabilidade de desenvolver problemas de coluna nos próximos dez anos. Criamos produtos que cobrem fisioterapia, mas excluem cirurgias complexas."
Os hospitais privados estão a adaptar-se a esta nova realidade. O Hospital da Luz desenvolveu pacotes de preços especiais para pacientes com seguros "parciais", cobrando valores diferentes conforme o tipo de cobertura. Um diretor administrativo explicou: "Temos 12 tabelas de preços diferentes, uma para cada combinação possível de coberturas de seguro. É um pesadelo logístico, mas é o novo normal."
Os consumidores mais jovens estão a adotar uma abordagem radicalmente diferente. Em vez de seguros tradicionais, muitos optam por "poupanças de saúde" digitais, como a startup portuguesa HealthWallet, que permite guardar dinheiro especificamente para despesas médicas, com vantagens fiscais. "É mais transparente do que uma apólice cheia de exclusões", defende Marta Silva, fundadora da plataforma.
O governo prepara-se para intervir. A ministra da Saúde anunciou a criação de um "simulador nacional de seguros de saúde", onde os consumidores poderão comparar coberturas reais, não apenas preços. O projeto, com lançamento previsto para 2024, obrigará as seguradoras a revelar em linguagem clara o que cada produto cobre e exclui.
Enquanto isso, os advogados especializados em seguros relatam um aumento de 40% em disputas sobre coberturas de saúde. "As pessoas descobrem na hora do tratamento que o seu seguro não cobre o que pensavam", explica o advogado Pedro Almeida. "As seguradoras argumentam que o cliente não leu a letra pequena, mas ninguém consegue decifrar 50 páginas de termos técnicos."
O futuro pode trazer ainda mais complexidade. As seguradoras experimentam seguros baseados em wearables que monitorizam atividade física, sono e alimentação. Quem cumpre metas de saúde paga menos. Parece justo, mas especialistas em privacidade alertam para os riscos: "Estamos a dar às seguradoras acesso aos nossos dados mais íntimos em troca de descontos mínimos", adverte a professora de Direito Digital, Carla Mendes.
Neste labirinto de opções, uma coisa é clara: escolher um seguro de saúde em Portugal tornou-se uma decisão tão complexa como escolher um plano de tratamento. E, tal como na medicina, a falta de informação pode ter consequências graves para a saúde financeira das famílias portuguesas.
O labirinto dos seguros de saúde: como as seguradoras portuguesas estão a reinventar a proteção