O lado oculto da renovação: histórias que as casas não contam

O lado oculto da renovação: histórias que as casas não contam
Há uma verdade que poucos contam quando falam de renovação: as paredes têm memória. Não me refiro apenas aos vestígios de humidade ou às fissuras que teimam em reaparecer. Falo das histórias que ficam presas nos azulejos, nos soalhos rangentes, nas portas que não fecham direito. Durante meses, percorri dezenas de obras por todo o país, desde apartamentos em Lisboa a casas rurais no Alentejo, e descobri que cada projeto de renovação esconde um romance, uma tragédia ou uma comédia de erros.

Os proprietários que encontrei partilhavam algo em comum: a ilusão de que bastaria um orçamento e um prazo para transformar o espaço dos seus sonhos em realidade. A Sónia, uma arquiteta de 34 anos do Porto, comprou um apartamento centenário no centro histórico. "Pensei que seria poético", contou-me enquanto mostrava fotografias do antes e depois. "Mas não contava com os fantasmas. Não os sobrenaturais, mas os burocráticos." Ela refere-se aos meses de espera por licenças, às surpresas estruturais que surgiam a cada parede demolida, ao orçamento que duplicou. A poesia deu lugar à prosa dura da gestão de projetos.

Nos subúrbios de Lisboa, o Carlos e a Marta enfrentaram um desafio diferente: transformar um anexo numa casa de férias rentável. "Comprei cursos online, vi tutoriais no YouTube, juntei-me a grupos de DIY", explicou o Carlos, mostrando-me orgulhosamente as prateleiras que construiu. Mas o entusiasmo inicial deu lugar à frustração quando perceberam que algumas tarefas exigiam conhecimentos especializados. "A canalização foi o nosso calcanhar de Aquiles", admitiu a Marta. "Pouparmos na instalação custou-nos uma inundação três meses depois."

O mercado imobiliário português vive uma dualidade curiosa. Por um lado, proliferam os anúncios de casas "prontas a morar", com fotografias editadas que escondem os detalhes. Por outro, há quem procure o charme do antigo, disposto a enfrentar os desafios da renovação. Os profissionais do setor confirmam esta tendência. "Notamos um aumento significativo de clientes que preferem comprar propriedades mais baratas e investir na personalização", contou-me um agente imobiliário com 15 anos de experiência, que preferiu não ser identificado. "O problema é que muitos subestimam o tempo, o custo e o stress envolvidos."

Nas zonas rurais, a história é diferente. A Maria, uma reformada de 68 anos, herdou uma casa de campo na Beira Interior. "Aqui não há pressa", disse-me enquanto me oferecia um chá na varanda. "A casa vai-se renovando aos poucos, conforme as possibilidades. Este ano foi o telhado, no próximo talvez a cozinha." A sua abordagem contrasta com a ansiedade urbana de ter tudo perfeito num prazo determinado. A sua casa não é um projeto, é um organismo vivo que evolui gradualmente.

As plataformas online trouxeram uma revolução na forma como encaramos a habitação. Sites de inspiração mostram-nos interiores perfeitos, criando expectativas por vezes irrealistas. "Os clientes chegam com screenshots do Pinterest e querem exactamente aquilo, ignorando que cada espaço tem as suas particularidades", explicou uma designer de interiores de Coimbra. A democratização da informação é positiva, mas criou uma geração de "especialistas Google" que desafiam os profissionais.

A sustentabilidade tornou-se outro elemento crucial nas renovações. Encontrei jovens casais a optar por materiais naturais, a instalar painéis solares, a recuperar móveis em vez de comprar novos. "Não é só uma questão de economia", afirmou o Rui, um engenheiro ambiental de 31 anos. "É uma filosofia de vida. Queremos uma casa que dialogue com o ambiente, não que o domine." Esta consciência ecológica está a transformar a forma como concebemos os nossos espaços.

No final da minha investigação, percebi que renovar uma casa é muito mais do que mudar paredes ou escolher cores. É um processo de autodescoberta, um teste à paciência e à resiliência, uma negociação constante entre sonho e realidade. As melhores histórias não estão nas revistas de decoração, mas nas memórias que se criam durante a transformação. E talvez essa seja a verdadeira beleza de qualquer renovação: não o resultado final, mas a jornada que nos transforma a nós próprios enquanto transformamos o espaço que habitamos.

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