Há uma verdade que poucos se atrevem a contar sobre a reforma da casa: estamos todos a ser enganados. Não por malícia, mas por um sistema que beneficia a opacidade. Passo a explicar.
Quando decidimos reformar a nossa casa, entramos num território desconhecido. Os orçamentos chegam-nos às mãos como documentos sagrados, cheios de números e promessas. Mas quantos de nós realmente entendem o que está escrito? A verdade é que a maioria dos portugueses assina contratos sem perceber que está a comprar um sonho embrulhado em papel celofane.
Os empreiteiros, esses artistas da persuasão, dominam uma linguagem própria. Falam em "acabamentos premium" e "materiais de primeira linha", mas raramente especificam marcas ou origens. E nós, consumidores, embalados pela promessa de uma casa nova, aceitamos estas vagas definições como se fossem garantias. O problema começa quando descobrimos que "primeira linha" pode significar coisas muito diferentes consoante quem está a vender.
A experiência de Maria, uma reformada de 68 anos de Coimbra, é paradigmática. Contratou uma empresa para renovar a cozinha por 15 mil euros. "Parecia tudo perfeito no orçamento", conta. "Mas quando as obras começaram, percebi que os armários não tinham fechos suaves, que o mármore era das pedreiras mais baratas e que a instalação elétrica ficou pela metade."
O fenómeno não é isolado. Segundo dados da Deco Proteste, mais de 40% das queixas relacionadas com construção civil referem-se a aumentos de preço não justificados durante a obra. E pior: 60% dos consumidores admitem não ter verificado as referências do empreiteiro antes de assinar o contrato.
Mas a culpa não é só dos profissionais. Nós, clientes, contribuímos para este ciclo. Queremos tudo perfeito, mas ao preço mais baixo. Procuramos três orçamentos e escolhemos o mais económico, ignorando que a qualidade tem um custo. E depois surpreendemo-nos quando a realidade não corresponde às expetativas.
Há, no entanto, luz ao fundo do túnel. A digitalização trouxe transparência ao setor. Plataformas como a Homify e a Idealista estão a revolucionar a forma como escolhemos profissionais. Os perfis com avaliações reais, os portfolios detalhados e os orçamentos transparentes estão a criar um novo padrão no mercado.
A chave, segundo os especialistas, está na preparação. Antes de sequer pensar em contactar um empreiteiro, devemos ter as ideias claras. Que materiais queremos? Qual o estilo que pretendemos? Que funcionalidades são essenciais? Só com um brief detalhado podemos comparar propostas de forma objetiva.
Outro aspeto crucial: o timing. A pressa é inimiga da perfeição, especialmente em obras. Contratar com urgência quase sempre significa pagar mais por menos qualidade. O ideal é planear com pelo menos três meses de antecedência, permitindo tempo para pesquisas, comparações e negociações.
E não nos esqueçamos dos pormenores legais. Um contrato bem elaborado é a nossa melhor proteção. Deve especificar prazos, materiais exatos, formas de pagamento e, muito importante, as consequências de incumprimento. Muitos problemas poderiam ser evitados com documentos mais claros e completos.
No final, reformar uma casa é como qualquer relação: requer comunicação, confiança e, acima de tudo, transparência. Quando ambas as partes entendem as expetativas e limitações, o resultado tende a ser positivo. O segredo está em abandonar a mentalidade de "cliente versus fornecedor" e abraçar uma parceria baseada no respeito mútuo.
A próxima vez que pensar em reformar a sua casa, lembre-se: o orçamento mais barato raramente é o mais económico. E a empresa com melhor marketing não é necessariamente a que faz melhor trabalho. Pesquise, questione, exija transparência. A sua casa - e a sua carteira - agradecem.
O lado oculto da reforma da casa: o que ninguém te conta sobre orçamentos e empreiteiros
