Há uma epidemia silenciosa a varrer as casas portuguesas, escondida atrás de paredes pintadas de cinza antracite e móveis de design escandinavo. Enquanto os portugueses se deixam seduzir pelas imagens perfeitas do Homify e pelos anúncios imaculados do Idealista, os problemas estruturais continuam a ser o elefante na sala que ninguém quer ver.
A Deco Proteste alerta há anos para esta realidade: muitos portugueses investem milhares de euros em decoração enquanto ignoram problemas fundamentais como humidades, infiltrações ou instalações elétricas obsoletas. É como colocar um vestido de noiva num esqueleto – a fachada pode ser bonita, mas a estrutura continua comprometida.
Nos últimos cinco anos, assistimos a um fenómeno curioso: o preço médio das casas em Portugal subiu 60%, mas a qualidade da construção não acompanhou esta evolução. Os casos que chegam à Casa Jardim e ao CasasApo mostram um padrão preocupante – compradores fascinados pela estética que negligenciam a engenharia. É o equivalente imobiliário de comprar um carro pela cor sem verificar o motor.
O portal O Nosso Bungalow tem documentado histórias reveladoras: famílias que gastam 20.000 euros em cozinhas de luxo enquanto as fundações da casa apresentam fissuras visíveis. Outros investem em sistemas de domótica sofisticados em edifícios onde a canalização tem mais de 40 anos. Esta desconexão entre aparência e substância tornou-se uma característica do mercado imobiliário português.
Os especialistas apontam para uma cultura do instantâneo: queremos ver resultados imediatos, e nada é mais imediato do que uma sala redecorada. Enquanto isso, obras estruturais são demoradas, caras e pouco fotogénicas para partilhar nas redes sociais. Esta mentalidade criou uma geração de proprietários que valoriza mais o like do que a longevidade.
A verdade inconveniente é que muitos dos problemas que afetam as casas portuguesas são herdados de décadas de construção acelerada e fiscalização insuficiente. O terramoto decorativo em que vivemos serve muitas vezes para tapar estes buracos – literal e figurativamente.
Mas há esperança. Um movimento crescente de arquitetos e engenheiros está a desafiar esta tendência, defendendo que a verdadeira beleza de uma casa está na sua funcionalidade e durabilidade. Eles argumentam que uma parede bem isolada pode ser tão esteticamente satisfatória como um papel de parede caro – e muito mais inteligente a longo prazo.
O desafio está em educar os portugueses para verem além da superfície. Significa aprender a ler as entrelinhas dos anúncios imobiliários, compreender que uma casa bonita não é necessariamente uma casa saudável, e valorizar investimentos invisíveis como o isolamento térmico ou a impermeabilização.
No final, trata-se de uma questão de prioridades. Vale mais a pena ter uma casa que parece saída de uma revista ou uma casa que resiste ao tempo? A resposta pode definir não apenas o conforto das famílias portuguesas, mas a segurança das gerações futuras.
O lado oculto da decoração: como as tendências escondem problemas estruturais nas casas portuguesas
