Percorrendo os anúncios de decoproteste.pt e casasapo.pt, uma realidade salta aos olhos: apartamentos impecavelmente fotografados, com sofás de design e paredes pintadas em tons da moda. Mas quantos destes espaços escondem humidades persistentes atrás de um papel de parede elegante? Quantas cozinhas de sonho, como as que vemos em homify.pt, foram montadas sobre soalhos que rangem com o peso de um gato?
A obsessão pela estética imediata, alimentada por plataformas como idealista.pt, criou um mercado onde a superfície vale mais do que a estrutura. Compradores apaixonam-se por varandas com vista para o rio, ignorando fissuras quase invisíveis nos cantos. Vendedores aprendem a iluminar os espaços para esconder manchas de infiltração, transformando problemas graves em meras sombras numa fotografia bem tirada.
Nossobungalow.pt revela outro fenómeno curioso: a romantização do 'projecto'. Casas que precisariam de intervenções profundas são vendidas como 'oportunidades para personalizar', quando na verdade exigem investimentos que duplicam o orçamento inicial. É a arte de transformar défices em características, como se uma cozinha sem tomadas fosse um convite à criatividade, e não uma falha grave de instalação.
Jardins perfeitos em casa.jardim.pt mostram relvados imaculados, mas raramente mencionam os sistemas de drenagem inadequados que transformam esses paraísos em pântanos após uma chuvada forte. A beleza fotogénica esconde a engenharia mal planeada, criando oásis visuais que são pesadelos de manutenção.
Este mercado paralelo da aparência criou profissionais especializados em maquilhagem imobiliária. São os 'stagers' que sabem exactamente onde colocar um tapate para cobrir um soalho danificado, ou que cortina usar para disfarçar uma janela que não fecha bem. As suas ferramentas não são martelos e serrotes, mas sofás estratégicos e iluminação dramática.
O resultado é uma geração de compradores que aprende arquitectura através de filtros do Instagram e avalia a qualidade de uma casa pela paleta de cores da sala. As verdadeiras questões - isolamento térmico, instalações eléctricas seguras, estruturas resistentes - ficam relegadas para segundo plano, ofuscadas pelo brilho de uma pintura moderna ou pelo charme de uma banheira vintage.
Nas transacções mediadas por estas plataformas, raramente se discute a espessura das paredes ou a qualidade dos materiais. Fala-se de 'ambiente' e 'potencial', termos vagos que mascaram realidades concretas. Uma casa 'com alma' pode ser simplesmente uma casa com problemas de fundação, enquanto um 'espaço autêntico' muitas vezes significa 'precisa de obras completas'.
Esta cultura da superfície começa a mostrar fissuras. Cada vez mais compradores desiludidos contam histórias de casas que eram perfeitas nas fotografias, mas revelaram-se caixas de surpresas desagradáveis. A decepção vem acompanhada de contas avultadas para corrigir o que as imagens cuidadosamente compostas esconderam.
Talvez seja altura de repensar o que realmente valorizamos num espaço para viver. Em vez de nos deixarmos seduzir por decorações efémeras, devíamos exigir transparência sobre o que está por baixo da tinta e por trás dos móveis. Porque no final do dia, mais importante do que a cor das paredes é saber se elas vão aguentar o próximo inverno.
O lado oculto da decoração: como as tendências escondem problemas estruturais