Num café de Lisboa, Maria, 72 anos, sorri enquanto segue a conversa à sua volta. Há seis meses, este cenário seria impensável. O zumbido constante e a dificuldade em ouvir tinham-na isolado do mundo. Hoje, com os seus discretos aparelhos auditivos, redescobriu não apenas os sons, mas as relações que deles dependem.
Esta transformação está a acontecer em todo o país, onde cerca de um milhão de portugueses vivem com perda auditiva. O que muitos ainda não percebem é que a tecnologia dos aparelhos auditivos evoluiu mais nos últimos cinco anos do que nas duas décadas anteriores. Já não falamos apenas de amplificação sonora, mas de sistemas inteligentes que se adaptam ao ambiente, filtram ruídos e até se conectam ao telemóvel.
A verdadeira revolução, porém, não está apenas nos circuitos. Está na forma como estes dispositivos estão a quebrar barreiras sociais. Estudos recentes mostram que pessoas com aparelhos auditivos têm 50% menos probabilidade de desenvolver depressão e mantêm uma vida social mais ativa. O simples ato de voltar a ouvir o canto dos pássaros ou o riso dos netos tem um impacto profundo na qualidade de vida.
Mas o caminho para esta transformação nem sempre é fácil. Muitos portugueses adiam por anos a decisão de procurar ajuda, presos no estigma de que aparelhos auditivos são apenas para "velhos". A realidade é que a perda auditiva afeta cada vez mais jovens, expostos a níveis sonoros perigosos em concertos, ginásios e através dos auriculares.
A tecnologia responde a este desafio com soluções quase invisíveis. Os modelos intra-auriculares modernos são tão discretos que passam despercebidos, enquanto os recarregáveis eliminam o incómodo de trocar pilhas. A conectividade Bluetooth permite que os utilizadores recebam chamadas diretamente nos aparelhos, transformando-os em acessórios tecnológicos tão modernos como os smartwatches.
O maior obstáculo, contudo, continua a ser o acesso. Enquanto em alguns países europeus os aparelhos auditivos são comparticipados pelo Estado, em Portugal o custo ainda recai maioritariamente sobre as famílias. Esta barreira financeira mantém milhares de pessoas afastadas de uma solução que poderia transformar as suas vidas.
As clínicas especializadas multiplicam-se pelo país, oferecendo não apenas equipamentos, mas acompanhamento personalizado. O processo de adaptação é crucial – não se trata apenas de colocar os aparelhos, mas de aprender a ouvir novamente. Os técnicos de audiologia tornam-se guias nesta jornada de redescoberta sonora.
Para as gerações mais jovens, a normalização começa a acontecer. Celebridades e figuras públicas começam a falar abertamente sobre a sua experiência com aparelhos auditivos, ajudando a desconstruir preconceitos. Nas redes sociais, comunidades de apoio partilham dicas e experiências, criando uma rede de solidariedade que ultrapassa fronteiras.
O futuro promete ainda mais inovação. Investigadores trabalham em aparelhos que não apenas compensam a perda auditiva, mas melhoram a audição natural. Sistemas de inteligência artificial aprendem com as preferências do utilizador, criando experiências sonoras personalizadas. A fronteira entre correção e melhoria torna-se cada vez mais ténue.
Enquanto isso, nas ruas de Portugal, histórias como a de Maria multiplicam-se. São avós que voltam a ouvir os netos, profissionais que recuperam a confiança nas reuniões, músicos que continuam a sua paixão. Por trás de cada aparelho há uma história de reconexão – com os outros, com o mundo, e consigo mesmo.
O som do mar, a melodia favorita, a voz de quem amamos – estas não são apenas experiências auditivas, são fios que tecem a tapeçaria das nossas vidas. Recuperá-los não é um luxo, mas um direito fundamental à plena participação no mundo que nos rodeia.
O som que nos une: como os aparelhos auditivos estão a transformar vidas em Portugal
