O som do silêncio: como a perda auditiva invisível afeta a nossa vida social

O som do silêncio: como a perda auditiva invisível afeta a nossa vida social
Num café movimentado de Lisboa, Maria tenta acompanhar a conversa entre amigos. Os sorrisos cruzam-se à sua volta, as piadas provocam gargalhadas, mas ela sente-se cada vez mais isolada. As palavras chegam-lhe distorcidas, como se estivesse debaixo de água. Esta cena repete-se diariamente em Portugal, onde mais de 900 mil pessoas sofrem de perda auditiva, muitas sem diagnóstico.

A surdez não escolhe idades. Enquanto associamos naturalmente a perda auditiva ao envelhecimento, a verdade é que os millennials enfrentam hoje um risco alarmante. Os fones de ouvido, companheiros constantes no metro, no ginásio ou no home office, tornaram-se numa ameaça silenciosa. A Organização Mundial de Saúde alerta: 1,1 mil milhões de jovens em todo o mundo poderão sofrer de perda auditiva devido a práticas de audição inseguras.

O que poucos sabem é que a audição não se perde apenas pelo volume excessivo. A exposição prolongada a níveis moderados de ruído, como o trânsito citadino ou o ambiente constante de um escritório aberto, vai desgastando progressivamente os delicados mecanismos do ouvido interno. As células ciliadas, responsáveis por transformar as vibrações sonoras em impulsos nervosos, não se regeneram. Quando morrem, partem consigo pedaços do nosso mundo sonoro.

O impacto social desta perda gradual é subtil mas devastador. As pessoas começam por evitar situações com ruído de fundo, depois deixam de atender telefonemas, acabam por recusar convites. Um estudo da Universidade do Porto revelou que indivíduos com perda auditiva não tratada têm o dobro da probabilidade de desenvolver depressão. O isolamento não é uma escolha – é uma consequência física da forma como o cérebro se cansa de tentar decifrar sons incompletos.

A tecnologia moderna trouxe soluções que desafiam os estigmas do passado. Os aparelhos auditivos de hoje são minúsculos, inteligentes e discretos. Muitos conectam-se diretamente aos smartphones, permitindo ajustes personalizados conforme o ambiente. Alguns modelos de última geração são praticamente invisíveis, assentando profundamente no canal auditivo. A revolução digital transformou estes dispositivos em extensões naturais das nossas capacidades sensoriais.

A prevenção continua a ser a melhor arma. Os especialistas recomendam a regra 60/60: não ultrapassar 60% do volume máximo durante mais de 60 minutos consecutivos. Fazer pausas auditivas regularmente permite que os ouvidos se recuperem. Nos ambientes profissionais com ruído constante, a proteção auditiva deve ser tão natural como o uso de óculos de sol num dia de praia.

O diagnóstico precoce faz toda a diferença. Um rastreio auditivo simples, disponível em muitas farmácias e centros de saúde, pode detetar problemas antes que se tornem irreversíveis. A aceitação é o passo mais difícil – mas também o mais libertador. Como testemunha Carlos, reformado de 68 anos: "Demorei cinco anos a admitir que precisava de ajuda. Quando finalmente coloquei o aparelho, foi como redescobrir a música das aves e a risada dos meus netos."

A sociedade precisa de se tornar mais inclusiva para quem vive num mundo mais silencioso. Pequenos gestos – falar de frente, articular bem as palavras, reduzir o ruído de fundo nas reuniões – podem fazer uma diferença abismal. A audição conecta-nos não apenas aos sons, mas às pessoas que os produzem. Preservá-la é preservar a própria textura das nossas relações humanas.

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