O som do silêncio: como a perda auditiva afeta mais do que apenas os ouvidos

O som do silêncio: como a perda auditiva afeta mais do que apenas os ouvidos
Num café movimentado de Lisboa, Maria, 68 anos, observa as conversas à sua volta como quem assiste a um filme mudo. Os lábios movem-se, as expressões faciais mudam, mas o som chega-lhe distorcido, como se estivesse debaixo de água. Esta realidade, que muitos consideram um simples incómodo da idade, esconde uma teia complexa de consequências que vão muito além da dificuldade em ouvir.

A perda auditiva não é apenas uma questão de volume. É uma desconexão gradual do mundo que nos rodeia. Estudos recentes demonstram que quem sofre de problemas auditivos tem maior probabilidade de desenvolver depressão, ansiedade e isolamento social. O cérebro, privado dos estímulos sonoros, começa a reorganizar-se, criando uma espécie de fadiga mental constante que afeta a capacidade de concentração e memória.

As relações pessoais tornam-se terreno minado. Jantares em família transformam-se em exercícios de adivinhação, onde sorrisos nervosos disfarçam a frustração de não conseguir acompanhar as conversas. Muitos optam pelo silêncio, preferindo o isolamento ao constrangimento de pedir constantemente que repitam o que foi dito. Esta retirada social não é por escolha, mas por necessidade de autopreservação.

No local de trabalho, os desafios multiplicam-se. Reuniões tornam-se labirintos sonoros onde se perdem informações cruciais. O medo de cometer erros por não ter ouvido instruções correctamente leva muitos a desenvolver estratégias de compensação que consomem energia mental extra. Não é raro encontrar profissionais que chegam ao final do dia exaustos não pelo trabalho em si, mas pelo esforço adicional necessário para funcionar num mundo não adaptado às suas necessidades auditivas.

A tecnologia moderna trouxe soluções impressionantes, mas também novos desafios. Os aparelhos auditivos evoluíram de dispositivos básicos para sofisticados computadores em miniatura, capazes de se conectarem a smartphones e televisões. No entanto, o estigma persiste. Muitos ainda associam estes dispositivos à velhice ou incapacidade, ignorando que cada vez mais jovens precisam de apoio auditivo devido à exposição constante a volumes elevados através de auriculares.

A prevenção continua a ser a melhor arma. A exposição prolongada a ruído acima de 85 decibéis – equivalente ao trânsito intenso de uma cidade – pode causar danos irreversíveis. Concertos, obras de construção e até mesmo o uso inadequado de auriculares contribuem para uma epidemia silenciosa de problemas auditivos entre gerações mais novas.

O diagnóstico precoce é crucial. Muitas pessoas adiam por anos a consulta de especialista, atribuindo as dificuldades auditivas ao envelhecimento natural ou ao cansaço. Esta demora pode significar a diferença entre preservar a audição residual ou enfrentar perdas mais significativas. Os exames regulares deveriam ser tão comuns como as consultas dentárias ou oftalmológicas.

As soluções passam por uma abordagem multifacetada: desde a educação pública sobre proteção auditiva até ao desenvolvimento de espaços mais inclusivos acusticamente. Restaurantes com melhor isolamento sonoro, sistemas de amplificação em locais públicos e uma maior consciencialização sobre como comunicar com pessoas com dificuldades auditivas são passos essenciais.

No fundo, a questão auditiva é sobre muito mais do que ouvir. É sobre pertencer, participar e conectar. Num mundo cada vez mais barulhento, talvez devêssemos aprender a valorizar mais o silêncio – mas não o silêncio imposto pela perda auditiva, mas aquele que escolhemos para preservar um dos sentidos mais vitais da experiência humana.

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