Há uma pergunta que teima em pairar sobre as contas de eletricidade dos portugueses: por que razão o preço da luz continua a subir quando os custos de produção parecem estabilizar? A resposta não está nos gráficos dos mercados grossistas, mas nos corredores silenciosos onde se negoceiam contratos bilaterais e se desenham estratégias de margem. Enquanto o consumidor final vê a fatura aumentar, um conjunto de players do setor energético regista lucros históricos. Não se trata de conspiração, mas de um modelo de negócio que transforma a volatilidade em oportunidade.
A verdade é que o mercado ibérico de eletricidade (MIBEL) funciona como um casino de alta finança, onde as apostas são feitas meses antes de a energia chegar às tomadas. As grandes comercializadoras compram energia a prazo, fixando preços que depois revendem com uma margem que raramente é transparente. Quando os preços no mercado spot descem, essas empresas mantêm as tarifas altas, argumentando com contratos de longo prazo. Quando sobem, ajustam-nas imediatamente. O resultado é uma assimetria crónica que penaliza sempre o mesmo lado: o consumidor.
Nos bastidores, assiste-se a um fenómeno curioso: a proliferação de ofertas verdes que prometem salvar o planeta e a carteira. A realidade é que muitas dessas tarifas verdes são pouco mais que maquilhagem de marketing. A energia injetada na rede é indiferenciada - não há eletrões verdes ou cinzentos. O que se vende é um certificado de origem renovável, muitas vezes adquirido no estrangeiro a preços simbólicos. O consumidor paga um premium por uma garantia que, na prática, pouco altera o mix energético nacional.
Enquanto isso, os pequenos produtores de energia renovável enfrentam um paradoxo. Os preços que recebem pela sua produção têm caído drasticamente, especialmente nos leilões solares, onde se atingiram valores historicamente baixos. Esta descida não se reflete, contudo, nas tarifas aos consumidores finais. A diferença engorda as margens das intermediárias, criando um fosso entre quem produz energia barata e quem a consome cara.
O regulador do setor, a ERSE, tem vindo a alertar para a falta de concorrência efetiva no mercado retalhista. As quatro maiores comercializadoras controlam mais de 80% do mercado, criando uma oligarquia que dita preços. As tentativas de entrada de novos players esbarram nas barreiras de entrada: necessidade de capital para garantir compras a prazo, complexidade dos sistemas de faturação e desconfiança dos consumidores em mudar de fornecedor.
A solução pode passar por um modelo radicalmente diferente: as comunidades de energia. Estas estruturas permitem que grupos de cidadãos ou empresas produzam, consumam e partilhem energia localmente, reduzindo a dependência das grandes comercializadoras. Em países como a Alemanha e a Dinamarca, estas comunidades já representam uma fatia significativa do mercado. Em Portugal, a legislação existe desde 2019, mas a burocracia e a falta de incentivos têm travado a sua expansão.
O consumidor final enfrenta um dilema: permanecer num mercado concentrado e opaco ou aventurar-se em alternativas ainda incipientes. A verdadeira revolução energética não estará nas manchetes sobre novos parques solares, mas na forma como nos organizamos para consumir energia. Enquanto não houver transparência total sobre como se forma o preço final da eletricidade, continuaremos a pagar não apenas pelos megawatts, mas pelas sombras que os envolvem.
O preço da luz e o jogo das sombras: quem ganha quando a energia sobe?