Quando abrimos a fatura da luz, não estamos apenas a pagar pelos kilowatts que consumimos. Estamos a financiar um sistema complexo onde se cruzam interesses políticos, estratégias empresariais e uma transição energética que avança a duas velocidades. Enquanto o governo anuncia medidas para aliviar o bolso dos portugueses, as famílias continuam a sentir o peso de uma das energias mais caras da Europa.
A verdade é que Portugal tem um dos preços de eletricidade mais elevados do continente, mesmo considerando os recentes cortes no IVA e nas taxas. Esta contradição esconde um problema estrutural: dependemos excessivamente do gás natural para produzir eletricidade, e quando os preços do gás disparam no mercado internacional, as nossas faturas acompanham o movimento. Os especialistas alertam que sem investimento sério em renováveis, continuaremos reféns desta volatilidade.
As renováveis são a grande esperança, mas a sua implementação tem sido mais lenta do que o necessário. Os projetos eólicos e solares enfrentam entraves burocráticos que podem durar anos, enquanto as grandes barragens mostram sinais de envelhecimento. O resultado é um mix energético que não consegue libertar-se completamente dos combustíveis fósseis, especialmente nos períodos de menor produção renovável.
O consumidor final paga esta ineficiência através de vários mecanismos pouco transparentes. Além do custo da energia em si, as faturas incluem taxas, contribuições para as renováveis e custos de rede que muitas vezes representam mais de metade do valor total. Esta fragmentação dificulta a compreensão do que realmente estamos a pagar e porquê.
As grandes empresas do setor defendem que os preços refletem investimentos necessários na modernização das redes e na transição energética. No entanto, os lucros recorde de algumas destas companhias nos últimos anos levantam questões sobre quem está realmente a beneficiar deste sistema. Enquanto isso, as PME e as famílias com menores rendimentos são as mais afetadas pela escalada de custos.
A digitalização e as smart grids prometem maior eficiência e controlo para os consumidores, mas a sua implementação tem sido desigual. Nas cidades, já é possível monitorizar o consumo em tempo real e ajustar os hábitos para poupar. Nas zonas rurais, muitas redes continuam obsoletas, limitando o potencial de poupança através da tecnologia.
O hidrogénio verde surge como a próxima fronteira, com projetos ambiciosos anunciados por todo o país. Portugal tem condições excecionais para produzir esta energia do futuro: sol, vento e espaço. Mas os especialistas alertam para o risco de repetirmos os erros do passado, criando uma nova dependência tecnológica enquanto outros países desenvolvem as soluções que depois nos vendem a preço de ouro.
A eficiência energética nas habitações portuguesas continua a ser o calcanhar de Aquiles da transição. Milhões de portugueses vivem em casas mal isoladas, que consomem mais energia para aquecer no inverno e arrefecer no verão. Os programas de apoio à reabilitação existem, mas são insuficientes face à dimensão do problema. O resultado é um ciclo vicioso: pagamos mais por energia que desperdiçamos.
Os transportes representam outro desafio colossal. A eletrificação da frota automóvel avança, mas a um ritmo que não acompanha as metas climáticas. E enquanto nos concentramos nos carros elétricos, esquecemos que os transportes públicos continuam subfinanciados e pouco atraentes para muitos portugueses, perpetuando a dependência do automóvel individual.
A geopolítica da energia também nos afeta diretamente. A guerra na Ucrânia mostrou como a nossa segurança energética depende de fatores que escapam ao nosso controlo. Portugal tem a vantagem de não depender diretamente do gás russo, mas isso não nos imuniza das crises globais que disparam os preços em todos os mercados interligados.
As comunidades energéticas emergem como uma alternativa promissora, permitindo que grupos de cidadãos produzam e partilhem a sua própria energia. Estes projetos democratizam o acesso às renováveis e reduzem a dependência das grandes utilities, mas enfrentam obstáculos regulatórios e falta de financiamento adequado.
O futuro próximo trará mudanças profundas. A descarbonização da economia é inevitável, mas o caminho que escolhermos determinará quem paga a conta. Podemos optar por um modelo mais justo e distribuído, ou podemos perpetuar um sistema onde os custos recaem sobre os mais vulneráveis enquanto os benefícios se concentram em poucas mãos.
A próxima vez que abrir a fatura da energia, lembre-se: não está apenas a pagar pela luz que acendeu. Está a financiar um sistema em transformação, com todas as suas promessas e contradições. E tem o direito de exigir que essa transformação seja feita de forma transparente, eficiente e justa para todos os portugueses.
O preço da energia em Portugal: entre promessas políticas e a realidade das contas
