A luz que se acende ao toque de um interruptor parece um milagre banal. Mas nos últimos anos, os portugueses aprenderam que essa magia tem um custo volátil, amarrado a ventos que sopram muito além das nossas fronteiras. A crise energética que varreu a Europa não foi apenas um choque de preços; foi um espelho que refletiu as fragilidades de um sistema dependente e, muitas vezes, despreparado.
Enquanto os governos europeus corriam para garantir o abastecimento de gás após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Portugal assistiu, quase como espectador, ao agravamento de uma dependência que já era crónica. A verdade inconveniente é esta: continuamos a importar mais de 65% da energia que consumimos, um número teimoso que resiste a discursos sobre transição verde e soberania energética. A aposta nas renováveis é real e visível nos campos cobertos de painéis solares e nas serras onde as turbinas eólicas giram, mas essa produção ainda não quebrou o cordão umbilical que nos liga aos mercados internacionais voláteis.
Nos bastidores do setor, ouvem-se queixas surdas sobre a lentidão dos processos de licenciamento para novos projetos de energia renovável. Um promotor de um parque solar no Alentejo contou-me, sob condição de anonimato, que esperou mais de dois anos por uma simples licença ambiental, enquanto os preços no mercado grossista disparavam. 'É como correr uma maratona com os pés atados', desabafou. Esta burocracia asfixiante não só atrasa a descarbonização como nos mantém reféns de um mercado spot onde o preço é ditado pela última central a gás que acende para cobrir a procura.
E o consumidor? Ah, o consumidor ficou no meio do fogo cruzado. As faturas da luz transformaram-se em documentos de leitura obrigatória, repletos de siglas enigmáticas como OMIE, TERNC e PVPC. Muitas famílias, especialmente as mais vulneráveis, viram a energia passar de um direito básico para um luxo ponderado. Desligar aquecimentos, reduzir banhos, cozinhar em lotes – estas tornaram-se estratégias de sobrevivência doméstica num inverno que prometia ser mais rigoroso na carteira do que no termómetro.
A solução, repetem os especialistas, passa por três pilares: acelerar drasticamente as renováveis, investir em capacidade de armazenamento (como hidrogénio verde ou baterias de grande escala) e diversificar as fontes de importação. Portugal tem condições excecionais para se tornar um exportador de energia limpa, com o seu sol abundante e vento consistente. O projeto de hidrogénio verde em Sines é um passo nessa direção, mas chega tarde e a custo de uma dependência prolongada do gás natural.
O que falta, além de celeridade, é uma visão estratégica clara. Enquanto a Alemanha constrói terminais de GNL em tempo recorde e a Espanha reforça as interligações com França, Portugal parece navegar à vista, reagindo a crises em vez de as antecipar. A recente descida do IVA sobre a eletricidade é um paliativo, não um remédio. O remédio está na coragem de desbloquear os obstáculos à produção autóctone e na criação de um verdadeiro mercado interno que proteja os consumidores das tempestades geopolíticas.
O futuro energético de Portugal não se escreverá apenas em megawatts, mas em decisões políticas audazes. A pergunta que fica é: teremos a coragem de desatar os nós que nos impedem de brilhar com luz própria, ou continuaremos a pagar o preço da indecisão a cada fatura que chega? A resposta, como a energia, ainda está por gerar.
O preço da energia em Portugal: entre a geopolítica e a falta de estratégia