O preço da energia em Portugal: entre a crise e a oportunidade de mudança

O preço da energia em Portugal: entre a crise e a oportunidade de mudança
O inverno aproxima-se e, com ele, aquele frio que se instala nas casas portuguesas. Mas este ano, o arrepio que percorre as costas dos portugueses não vem apenas da temperatura. Vem das contas da luz que chegam às caixas de correio, cada vez mais pesadas, cada vez mais difíceis de digerir. Enquanto os noticiários ecoam números que parecem saídos de um romance distópico, as famílias contam os cêntimos e repensam cada lâmpada acesa, cada minuto extra no duche.

A verdade é que Portugal vive uma encruzilhada energética sem precedentes. Por um lado, dependemos quase religiosamente do gás natural espanhol e argelino, enquanto as renováveis teimam em não descolar como prometido. Os parques eólicos que pontuam as nossas serras e os painéis solares que começam a cobrir telhados são ainda gotas num oceano de necessidade. E o mar, esse imenso recurso à nossa porta, continua maioritariamente intocado, com a energia das ondas e das marés a ser mais promessa que realidade.

Enquanto isso, os preços no mercado grossista de eletricidade atingem patamares que fazem corar até os mais experientes economistas. O MIBEL, esse mercado ibérico que devia ser nossa salvação, transformou-se num campo de batalha onde os consumidores saem sempre a perder. As grandes empresas energéticas apresentam lucros recorde, enquanto as pequenas e médias empresas fecham portas, incapazes de suportar custos que triplicaram em poucos meses.

Mas há luz ao fundo do túnel, mesmo que ténue. As comunidades energéticas começam a germinar um pouco por todo o país. Em Aljustrel, no Alentejo, os vizinhos juntaram-se para instalar painéis solares que alimentam não apenas as suas casas, mas também equipamentos públicos. Em Paredes, no norte, uma associação de moradores criou a sua própria micro-rede, tornando-se quase independente da rede nacional. São exemplos pequenos, mas poderosos, de como a energia pode deixar de ser um problema para se tornar uma solução partilhada.

O hidrogénio verde surge como a grande aposta do governo, com investimentos milionários anunciados para Sines. A antiga terra do carvão quer transformar-se na capital da energia do futuro, aproveitando o sol e vento que não nos faltam para produzir o combustível que pode limpar a indústria pesada e os transportes. Mas os especialistas alertam: o hidrogénio não é varinha mágica. Requer quantidades colossais de energia renovável, e Portugal ainda está longe de ter capacidade instalada suficiente.

Nas cidades, a mobilidade elétrica acelera, mas a um ritmo ainda tímido. Os carros elétricos multiplicam-se nas ruas de Lisboa e Porto, mas a rede de carregamento continua insuficiente, especialmente no interior. E o preço da eletricidade nas estações de carregamento rápido torna a poupança em combustível uma miragem para muitos condutores.

O verdadeiro drama, porém, desenrola-se nas casas dos mais vulneráveis. Os idosos que desligam o aquecimento por medo da conta, as famílias que escolhem entre comer quente ou ter luz. A pobreza energética não é um conceito abstracto - é realidade diária para centenas de milhares de portugueses. E piora a cada aumento de preço, a cada inverno que chega.

As soluções passam necessariamente por uma mudança de paradigma. A eficiência energética devia ser prioridade nacional, com programas massivos de isolamento de edifícios e substituição de electrodomésticos antigos. A produção descentralizada precisa de incentivos reais, não de burocracias que travam os cidadãos que querem produzir a sua própria energia. E o mercado precisa de regulação que proteja os consumidores, não os accionistas.

O momento é de crise, mas também de oportunidade. Portugal tem todos os recursos naturais para se tornar energeticamente independente. Tem sol, vento, mar e conhecimento técnico. O que falta é coragem política para romper com modelos ultrapassados e apostar verdadeiramente num futuro sustentável. Enquanto isso, os portugueses continuam a contar os cêntimos, a desligar as luzes e a esperar que a próxima factura não seja a gota de água que transborda o copo já tão cheio de preocupações.

O caminho para a independência energética está traçado - falta percorrê-lo com a determinação que estes tempos exigem. As tecnologias existem, os recursos naturais abundam, a vontade dos cidadãos manifesta-se cada vez mais. Resta saber se haverá liderança suficiente para transformar esta crise na alavanca que nos projectará para um futuro mais limpo, mais barato e mais justo.

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