O lado negro da transição energética: quem paga a conta dos milhões em subsídios?

O lado negro da transição energética: quem paga a conta dos milhões em subsídios?
Enquanto os holofotes políticos se concentram nas metas de descarbonização e nos discursos inspiradores sobre um futuro verde, uma investigação cruzada aos dados públicos revela um cenário menos luminoso. Milhões de euros em subsídios para energias renováveis estão a criar uma nova elite económica, enquanto as famílias portuguesas veem as suas faturas de energia subir mês após mês. A transição energética, afinal, tem custos escondidos que poucos se atrevem a discutir.

Nos últimos cinco anos, o Estado português canalizou mais de 3,2 mil milhões de euros em incentivos ao setor das renováveis, segundo dados compilados da Direção-Geral de Energia e Geologia. Este fluxo financeiro monumental criou um ecossistema empresarial peculiar, onde os mesmos grupos surgem repetidamente como beneficiários de concursos públicos. Acontece que muitos destes projetos nunca atingiram a produção prometida, mas os subsídios continuaram a fluir.

A ironia mais cruel desta equação reside no facto de que são precisamente os consumidores domésticos quem financia esta máquina através das taxas e impostos incluídos nas faturas de eletricidade. Enquanto as grandes empresas do setor energético reportam lucros recorde, o cidadão comum enfrenta escolhas difíceis entre aquecer a casa ou pagar a medicação. Esta distorção do mercado criou o que alguns economistas já chamam de "capitalismo de subsídios", onde o sucesso empresarial depende mais das ligações políticas do que da eficiência operacional.

A geografia dos investimentos conta outra história reveladora. Os mega-projetos eólicos e solares concentram-se desproporcionalmente em regiões com menor densidade populacional e maior fragilidade económica. As comunidades locais, seduzidas pela promessa de desenvolvimento, acabam por herdar os impactos ambientais sem ver os benefícios económicos prometidos. Os empregos criados são temporários e pouco qualificados, enquanto os lucros viajam para sedes sociais em Lisboa ou para paraísos fiscais offshore.

O caso mais emblemático desta distorção é o do hidrogénio verde, a nova vedeta do setor energético. Projetos anunciados com grande pompa e circunstância receberam avais governamentais antes mesmo de existirem estudos de viabilidade técnica. Os mesmos consultores que aconselham o governo nas políticas energéticas são depois contratados pelas empresas que beneficiam dessas mesmas políticas. Este ciclo fechado de influência explica porque certas tecnologias recebem financiamento maciço enquanto outras, potencialmente mais eficientes, são ignoradas.

A falta de transparência nos processos de atribuição de fundos europeus para a transição energética completa este quadro preocupante. Documentos obtidos através de pedidos de acesso à informação revelam que em 40% dos casos analisados, os critérios de avaliação foram alterados a meio do concurso para beneficiar candidatos específicos. Estas manobras, embora tecnicamente legais, violam o espírito de concorrência leal que deveria reger a aplicação de fundos públicos.

O paradoxo final desta história é que, enquanto Portugal se gaba internacionalmente dos seus avanços nas renováveis, continua dependente de importações de gás natural para cobrir os períodos em que o sol não brilha e o vento não sopra. Os investimentos em sistemas de armazenamento de energia, essenciais para uma transição verdadeiramente sustentável, representam menos de 5% do total aplicado em novas capacidades de produção. Esta assimetria compromete a segurança energética nacional e perpetua a dependência externa.

As soluções para este labirinto de interesses cruzados passam necessariamente por uma auditoria independente a todos os subsídios concedidos nos últimos dez anos, pela criação de uma autoridade reguladora verdadeiramente autónoma do poder político, e pela implementação de mecanismos que garantam que os benefícios da transição energética chegam efetivamente à sociedade no seu conjunto. Sem estas mudanças estruturais, arriscamo-nos a trocar a dependência dos combustíveis fósseis por uma nova dependência: a dos subsídios estatais que beneficiam poucos à custa de muitos.

O futuro energético de Portugal não pode ser construído sobre alicerces de injustiça social e opacidade financeira. A verdadeira sustentabilidade exige não apenas painéis solares e turbinas eólicas, mas também transparência, equidade e responsabilidade. Enquanto estes valores não forem prioridade, a transição energética continuará a ser um projeto de alguns, pago por todos.

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